Estava relendo agora uns posts que já publiquei e acho engraçado o fato de que, por mais tente variar os assuntos, sempre acabo me repetindo, usando as mesmas expressões para expor idéias já mencionadas. Na verdade, quando comparo as coisas que escrevo hoje com minhas redações do Segundo Grau, por exemplo, é notória a queda de qualidade dos textos. Eram mais concisos, frases curtas e vocabulário menos almofadinha. Parece que na minha adolescência o mundo se mostrava mais interessante, talvez porque tudo fosse novo e um oceano de possibilidades se abria para mim. Tem sido difícil escrever sobre coisas que gosto de verdade sem recorrer a lugares-comuns nem tornar o texto confuso, como este. Mas não é desse assunto que quero falar.
Ontem acabei de ler um livro chamado "Matadouro 5". Quando comprei não imaginava que ia gostar tanto, pois escolhi de propósito algo diferente do que costumo ler, geralmente obras de terror, ocultismo, ficção-científica ou livros de autores que já conheço bem - Rubem Fonseca, Patrícia Melo, Paul Auster, L. F. Verissimo e mais um ou outro. Este eu já tinha ouvido falar, mas não lembro de onde nem se a referência era boa. É um livro de bolso da L&PM, baratinho e o que me chamou a atenção foram as resenhas da contracapa: críticos de veículos de comunicação fodões endeusando o autor - Kurt Vonnegut, americano - e elegendo o livro como o melhor romance pacifista dos últimos 50 anos. O cara é descrito como "George Orwell, Dr. Caligari e Flash Gordon num único escritor". Eu o confundi com outro americano maluco cujo nome é Thomas Pynchon ou algo assim e escreve sobre teorias conspiratórias, por isso o escolhi. Sou louco por elas, quanto mais absurda melhor. Aproveito a deixa para anunciar que minha próxima série de posts vai ser sobre conspirações. No entanto, já vou adiantando que me recuso a abordar essa baboseira de "Código Da Vinci", apesar de reconhecer que é bem divertido. Mas também não é disso que quero falar.
Escrito em 1969, o livro narra, entre outras coisas, a experiência verídica de Vonnegut como soldado aliado na Segunda Guerra Mundial. Tudo gira em torno da descrição do bombardeio americano à cidade alemã de Dresden em 44. Você fica chocado com a bomba atômica em Hiroshima? Pois saiba que lá morreram por volta de 70.000 japoneses, enquanto o dobro pereceu numa única noite de ataque aéreo com armas convencionais em Dresden. Ninguém fala nisso, de fato os americanos encobriram essa catástrofe por décadas. Não havia lá quantidades significativas de soldados nazistas, nem sequer uma indústria bélica. Detalhe: eu sou judeu, mas partilho da visão do livro que uma guerra pode ter tudo, menos um lado heróico. Uma linda cidade, apelidada de "Florença do Rio Elba", foi reduzida a escombros salpicados de montinhos e montões de cinzas. Cada montinho era uma pessoa, cada montão um prédio ou uma casa. O pior é que o autor ainda consegue ser engraçado e sem um pingo de pieguice ou uso de recursos apelativos. Humor negro, colocado de forma tão brilhante que não tem como você ficar envergonhado de morrer de rir. Há toques de sci-fi; o protagonista, que não é Vonnegut, é abduzido por aliens e confinado num zoo espacial com uma atriz pornô e tem um filho com ela. Falei que o livro é bom, não falei? Os E.T.s também são inteligentemente concebidos, eles não compreendem a nossa definição de tempo. Para eles a vida é uma sucessão de eventos que vão se repetir incessantemente de forma desordenada. Então num momento estamos na guerra, de repente o personagem se vê em sua casa, muitos anos depois, aí ele abre uma porta e está no zoo do planeta Tralfamador. Confuso? Não, eu sou confuso, o livro é genial, fácil de ler e consegue ser triste, incisivo, anárquico, louco, fantástico, lógico, provocador, irônico, honesto, sagaz e ético, tudo ao mesmo tempo.
Ou, como a contracapa diz ..."Vonnegut oferece muito mais que um libelo pacifista. Trata-se de crítica social da mais criativa, da expressão de uma visão de mundo ingênua e desencantada"...
Acredite, este é o post mais útil que já escrevi. Estou me refreando para não estendê-lo ainda mais com citações do livro. Se tivesse dinheiro eu compraria dezenas dele e saía distribuindo, primeiro mandando para os 3 ou 4 que costumam comentar aqui e para a Bete, minha vizinha. Quem ler e não gostar está doente. E não custa nem 20 pratas.
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