terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Nostálgico e Ranheta: Introdução a Banksy

Como a História é irônica... lembrando àqueles que têm menos de 20 anos, ou mesmo os que têm mais, mas enchem a boca pra dizer que "detestam política" e acham que jornal é aquela coisa apresentada na tv por um casal até simpático, mas que só serve pra encher linguiça entre uma novela e outra: houve um tempo em que termos como "subversão" e "regime militar" estavam bem mais em voga. A ironia é que, embora fossem expressões antagônicas, quase excludentes - só apareciam na mesma frase se ela fosse tipo: "O regime militar tem lutado contra a subversão" ou vice-versa - uma se alimentava da outra. Os milicos só chegaram ao poder em 1964 com o apoio das classes mais abastadas, que julgavam que só eles poderiam anular a "ameaça vermelha", os comunas, os elementos subversivos, as libelus e os MR-8s. E a ditadura perdurou por 20 anos, ou 25, se levarmos em conta que só em 89 houve eleições diretas para presidente, quando esse povo que acha que jornal é sinônimo de casal Bonner, elegeu um safado com cara de galã de novela e nariz de freguês do Pablo Escobar.

Antes disso tivemos os tais "anos de chumbo", em que a censura imperava nos meios de comunicação. Ninguém podia falar mal do governo, mesmo uma rodinha na esquina de meia dúzia de gatos pingados podia ser considerada um ato subversivo e a polícia descia o cacete, isso se não te levavam pro Doi-Codi; aí, meu amigo, você no mínimo ganhava uma entrada grátis para a Torturolândia. Tempos de liberdade cerceada, senadores biônicos, muita repressão nas ruas, de terrorismo no Brasil(!). Quem não viveu nesse tempo dá pouco valor a direitos como: votar, pegar um megafone e xingar o presidente ou bloquear a rua num ato contra a violência policial. Aliás, se hoje coisas como mortes diárias de inocentes por "balas perdidas" e veículos policiais tipo "caveirão" viraram banalidades, pode creditar boa parte da culpa à ditadura. Ela foi a mãe do Bope, da Rota, enfim, do uso do aparato estatal para impor uma determinada ordem social na força bruta. Lembre-se que a polícia existe para proteger e servir à todos, sem distinção. Lembre-se também que muita gente morreu por uma causa hoje subvalorizada, subestimada ou mesmo, desconhecida. E que, de forma indireta, prestou um grande serviço à MPB.

Sim, pois a geração de artistas que debutou nos anos 60/70 tinha que carregar nas metáforas, hipérboles, metonímias e outras palavras acentuadas de significado ignoto para passar seu ponto de vista sem chamar a atenção dos censores. Eram os "subversivos". Então Chico cantava que apesar de você amanhã há de ser outro dia, sem especificar o você. Noutra queria nos dizer apenas que a coisa aqui tá preta. E em Bye-Bye Brasil, não dava pra falar muito, não. Espera passar o avião/ assim que o inverno passar/ eu acho que vou te buscar. Talvez uma menção velada aos exilados políticos no exterior. E aqui está a ironia: enquanto a ditadura vigorou, os medalhões da música popular gravaram seus melhores discos, a MPB teve sua Era de Ouro. Sei que a afirmação é polêmica, mas é minha opinião, dá licença? Não só os famigerados Chico, Caetano, Gil e Milton, mas também os pré-mauricinhos da jovem guarda - Roberto, Erasmo e outros esquecidos. Sem falar em Novos Baianos, Secos e Molhados, Sá, Rodrix e Guarabira, Jorge Ben, Tim Maia, o Clube da Esquina - casualmente, a poucos quarteirões donde escrevo - e o milenar, unânime Raul. A lista é extensa. E todos, com a provável exceção da jovem guarda, tidos pelas autoridades como subversivos, imorais, devassos, drogados etc.

Na imprensa havia o Pasquim, muita gente boa se esmerando nas figuras de linguagem para driblar a censura. E no finalzinho do regime veio o genial Planeta Diário, seguido pela Casseta Popular. Quando a Globo conseguiu cooptá-los pra tv, gradualmente sua graça, irreverência e escracho foram vampirizados. Hoje parecem uma cópia mais chula e menos criativa de si mesmos. Na literatura estrearam Ignácio de Loyola Brandão, Rubem Fonseca (a quem devo nome deste blog), Moacyr Scliar, Caio Fernando de Abreu, Wander Pirolli, Fausto Wolff, o poeta Chacal e mais um bando.

Voltando à música, a criatividade brasileira deu seu último suspiro com os roqueiros do meio dos 80. Mas Deus levou dois dos poucos poetas verdadeiros, Cazuza & Renato Russo, para nos deixar com Frejat & Dinho Ouro Preto. Sacanagem... E no meio do caminho entre Elis Regina e musas com nome de frutas havia umas mamonas assassinas.

E eu que queria escrever sobre um grafiteiro inglês que seria um dos poucos subversivos autênticos do Século XXI, fico por aqui porque o texto já está grande demais. Talvez esse discurso nostálgico e ranheta já virou até clichê, mas não posso deixar de perguntar ao leitor: quem substituiu esses caras todos?