quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Diga como tu dormes...

Na Era da Informação e Velocidade, com o sistema capitalista definindo as regras, há um consenso em torno da idéia de que dormir é perda de tempo. O indivíduo deve ser produtivo, acima de tudo. Não partilho dessa opinião, quem me conhece sabe que meu sono é sagrado, e não é por acaso que esse blog se chama a matéria do sonho. Eles podem nos ajudar a resolver problemas, se prestarmos a devida atenção. Como no célebre caso de Kekulé. Os cientistas de sua época julgavam ser impossível descobrir a forma como as estruturas das cadeias complexas de carbono se organizam. Contra todas as evidências, ele achava que havia, sim, uma forma de representá-las, tornando isso uma obsessão. Ou seria uma paixão? Até que um dia, cochilando em um ônibus londrino, ele sonhou com uma cobra engolindo o próprio rabo, formando um círculo - o mito de Ouroboros, símbolo da eternidade. Ele matou a charada: a molécula do benzeno se organiza de forma circular.

Essa história é fascinante: a interação entre consciente e inconsciente, resultando na criação de algo totalmente novo, o simbolismo da forma. Se há alguma evidência que Deus existe, deve ser essa.

Mas estou fugindo do assunto, pra variar. Achei uma página da web que diz que se você quiser conhecer a verdadeira personalidade de uma pessoa, observe-a dormindo. O Professor Idzikowski entrevistou cerca de 1.000 pessoas e selecionou as seis posições de dormir mais comuns. Sua conclusão foi que cada postura se relaciona com um tipo específico de personalidade. Todos estão conscientes de sua linguagem corporal quando estão acordados, mas pela primeira vez pôde-se investigar o que nossa postura inconsciente diz sobre nós. Veja o que a sua conta:


Foetus (feto): "Durão" na aparência, mas no fundo é sensível e emotivo. Tímido ao primeiro contato, logo fica mais relaxado quando melhor conhecido. Bem mais comum entre mulheres.

Log (madeira): Extrovertido, sociável, gosta de pessoas a seu redor e tende a confiar em estranhos, o que também indica uma certa ingenuidade.

Yearner (não sei o que é isso): De natureza mais aberta, mas pode ser cínico e desconfiado, talvez por ser pouco confiável. Demora a tomar decisões, mas depois que escolhe não volta atrás.

Soldier: Quieto e reservado. Tende a estabelecer parâmetros elevados para si mesmo e para os outros, exigente, esforçado.

Freefall (queda livre): Sociável, audacioso e/ou imprudente. Suscetível, não gosta de ser criticado nem de situações extremas.

Starfish (estrela do mar): É um bom companheiro, sabe ouvir e gosta de ajudar. Não gosta de ser o centro das atenções.

Ok, as descrições são meio bestas, muito superficiais, parece resultado de testes de personalidade que encontram-se em revista de fofoca. Além disso já tinha lido algo semelhante no Supermanual do Escoteiro Mirim, minha Bíblia até os 10 anos de idade.

sábado, 25 de agosto de 2007

Em busca do Velho da Carrocinha de Lenha - Capítulo 4 (cont.) - Segunda Opção

Jacques Resch: Regard et Metal (http://www.jacquesresch.com/)


Dario descobre que sob a lona que supostamente cobria a lenha na verdade há um memorial de sua vida, assim como das escolhas que poderia ter feito. As oportunidades perdidas e onde elas o levariam, documentos que na realidade não existiriam, pois se referiam a vidas virtuais. Ele se sentiu como se tivesse ao mesmo tempo levado uma pancada na cabeça e uma facada no coração. A culpa e o arrependimento o sufocaram, a dor na alma foi tão forte que ele não se aguentou em pé, sentou no meio fio e chorou. Pois, a rigor, nunca havia realizado nada na vida, nunca deixara de ser o adolescente inconsequente. Uma criança séria, contida, mas inteligente e perspicaz tornou-se um fracasso aos 30 anos, uma eterna promessa, na melhor das hipóteses. Ele sabia qual era o caminho caminho certo, viu as placas indicativas, mas sempre fez as escolhas erradas, as mais fáceis.


Ele recebera o chamado da maturidade e tinha tudo para dar mais um passo em direção ao auto-conhecimento, tornando-se mais confiante, com maior controle de si próprio. Sua imaginação borbulhava, as possibilidades pareciam infinitas... já não via o outro com receio, pelo contrário, enxergava-se nele, passou a se identificar com Humanidade. De repente sentia fazer parte de algo maior, e como tudo isso parecia quase assustador, de tão novo. Anos depois, recordando-se desta fase, concluiu que tinha entrado, na verdade, pela primeira vez na em sua existência, na cadência do Cosmo, na frequência da vida. Foi como se sua janela para o mundo, que sempre estivera fechada, tivesse sido aberta completamente, de uma vez.

Você é jovem, a vida é longa
Dá pra matar o tempo hoje
Aí um dia você descobre
que dez anos se passaram
Ninguém te disse quando correr
Você perdeu a largada

Talvez ficou cego pela súbita luminosidade. Ou o medo enorme de fracassar falou mais alto. O fato é que ele tinha a faca e o queijo na mão. Mas os ratos comeram o queijo, a faca ele usou em si mesmo.

E você corre e corre para alcançar o sol mas ele está se pondo.
Dando voltas para você alcançá-lo e depois perdê-lo novamente.
O sol, de maneira relativa, é o mesmo, mas você está mais velho.
Perdendo o fôlego e um dia mais perto da morte.

Susan Burnstein - Griffith Park, Los Angeles

Dario sempre gostou de "Time", achava bacana a identificação com a letra. Hoje parece trágica, triste, fatalista. Foi-se o glamour do estilo de vida "James Dean", como ele gostava de pensar, entrou um estado de quiet desperation, à maneira inglesa. The time is gone, a música acabou, pensou que tinha something more to say.

De volta ao lar.
Gosto de ficar aqui quando posso.
Quando chego em casa cansado e com frio
é bom aquecer os ossos no fogo

Dario limpa as lágrimas e sorri. Até na música melancólica do Pink Floyd era impelido a procurar a lenha. O homem da carroça, que acompanhou em silêncio seu choro, enfim pergunta se pode ajudá-lo em alguma coisa. "Que loucura é essa? Isso não pode ser real, os documentos do meu passado você pode ter conseguido, mas e todas essas coisas do futuro? Passagem aérea para Izmir, na Turquia, para 2008, em meu nome?" "Moço, essa coisa de real ou invenção é meio estranho"... Dario finalmente repara que o cara não tem um olho mesmo, no lugar dele uma pele enrugada, causando quase pavor pela feiúra.


Agora chega a hora de escolher. Todo o relato acima realmente não passou de um sonho, Dario vai acordar no dia seguinte em sua cama e ir correndo escrever o sonho, como costumava fazer.

Ou ele resolve simplesmente aceitar esse fato inexplicável e elogia o burrico que puxa a carroça. O homem apenas olha pra ele e pergunta de novo se pode ajudar. "Sim, quero saber mais, quem é você, como desenvolveu essa capacidade de descobrir vidas alternativas, isso é fantástico."
"Intão o sinhô vai ter que procurar um cumpadi meu, te dou o endereço. Mas achei que o sinhô tinha falado que queria era lenha."
"Mas você não tem."
"Tem, sim." E ele dá um assobio. Dario vê Ivanzão surgindo Deus sabe de onde e caminhando em direção a ele, com um enorme feixe de lenha. "Ô Dario me ajuda aqui, tô carregando isso desde lá longe. Meu cigarro tá acabando, me empresta uma grana pra eu comprar 3 maços de Carlton?"

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Operações, refris, cara de pau e o Tenente Bello


Imagino que quem chega no blog e se depara com a historinha da carroça de lenha, capítulo 4, não deve entender nada. Fica combinado que assim que concluí-la coloco os capítulos e diferentes finais em ordem.
Mas hoje não quero continuar a história. Falta inspiração, ia sair meio nas coxas, então peço desculpas à leitora por mudar de assunto um pouco, dar uma desbaratinada.

Uma das poucas revistas brasileiras que prestam é a Piauí. Acho a Veja imbecil, Istoé parece tablóide, Época consegue ser um tablóide imbecil, Carta Capital é esnobe mas faz pose de "voz do povo", Caros Amigos é comuna demais... não sobra nada. Saudades da Chiclete com Banana, Piratas do Tietê, Animal. Pode-se argumentar que estou comparando revistas de categorias diferentes, mas no fim das contas é tudo mídia impressa, e pelo menos essas 3 últimas que citei tinham a grande virtude de não se levarem a sério. E sempre me surpreendiam. Um dia falo delas, posso dizer que Angeli e Laerte foram meus mentores intelectuais por um tempo. Alguém lembra das historinhas do Squeak the Mouse, versão pornô-sanguinolenta do Mickey? E aquele Ranxerox? E os testes da Chiclete, tipo comparativos de caixinhas de fósforo ou papel higiênico? Até a sessão de cartas - que chamavam de Uppercut ou pau de macarrão, dependendo do teor do texto - era divertida. Ah, eu era feliz e não sabia. Mas não era disso que queria falar.

Squeak numa historinha light

A Piauí é bacana porque, assim como essas extintas HQs, sempre consegue surpreender. Só pra ilustrar minha tese, algumas coisas que aprendi com a edição de junho (outra coisa legal é que as Piauís não ficam desatualizadas):

- Sempre quis saber quem inventa os nomes das operações da Polícia Federal. Uma que desarticulou o jogo do bicho no MT chamava Arca de Noé. Outra foi batizada como 274 porque R$ 2,74 era o preço praticado pelo cartel de postos de gasolina em João Pessoa. A Eros desarmou o esquema de venda ilegal de remédios para disfunção erétil. Pois a revista nos informa que um tal Zulmar Pimentel é o criativo agente por trás dos nominhos. Como bom cristão, Zulmar bebe na fonte da Bíblia para seus batizados: Anjo da Guarda cerca os pedófilos, Babilônia para tráfico de bebês etc. Sua obra mais refinada é inspirada na seguinte passagem bíblica: "Restarão tão poucas árvores em sua floresta, que um menino poderá contá-las". A operação de combate à extração ilegal de madeira no Amapá ganhou o nome de Isaías, livro de origem da frase. Uma ação semelhante foi denominada Curupira, e uma esdrúxula Matinta Perera para investigar auditores fiscais. Zulmar gosta de folclore. E por falar em folclore...

Muito prazer, Dona Matinta

- ...Durante a Farra do Boi em Parintins, a Coca Cola abre uma raríssima exceção e pinta de azul (a cor da Pepsi!) suas latinhas para que os torcedores do bloco Caprichoso não fiquem malvistos ao bebê-las. Afinal, vermelho é a cor do rival, o Garantido. E como o assunto é a Coca...

- ...Responda depressa: qual o refrigerante mais vendido no Maranhão? Errou. O Guaraná Jesus, que derrubou a Coca Cola, é uma bebida cor de rosa. E foi inventada por um ateu e comunista. O que faz tanto sentido quanto...

Só o Guaraná Jesus te salva da tua sede

- ... As justificativas dos estilistas brasileiros para a imensa quantidade de modelitos que supostamente seriam criações próprias, mas na verdade são cópias descaradas de exemplares estrangeiros. E foi num país estrangeiro que...

- ...O Tenente chileno Alejandro Bello voava num avião decorado com o número 13 numa bela tarde de 1914 quando desapareceu sem deixar vestígios. O caso fascina seus conterrâneos de tal modo que quando se quer dizer que algo perdeu-se misteriosamente diz-se más perdido que el Teniente Bello. Como é de praxe nesses casos, o sumiço motiva histórias deliciosas. Uma mulher diz tê-lo visto com chifres de diabo. Um apresentador de tv pagou um médium para contatar o Tenente, e parece que funcionou, pois até escreveu um livro narrando o "encontro". Já os ufólogos garantem que foi abduzido por aliens...

O avião que sumiu com o Tenente Bello

-... o que não é de se estranhar, pois o Chile é um dos 5 países onde ocorrem mais avistamentos de UFOs. O campeão da modalidade, como não poderia deixar de ser são os EUA, seguidos por Peru (?), Brasil (???) e Rússia.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Em busca do Velho da Carrocinha de Lenha - Capítulo 4 (cont.)

Recapitulando: Dario enfim encontra o cara na carroça com lenha, vai atrás dele e depara-se com um tipo de ritual primitivo, pessoas nuas dançando em volta do fogo. Recebe um forte golpe na nuca e cai desmaiado. Nesse momento o leitor é apresentado a duas escolhas: a cerimônia é um rito esotérico pancadão (1a), ou trata-se de um julgamento pouco convencional (1b). Aqui vão os desdobramentos da segunda opção. O autor recomenda a leitura dos capítulos anteriores antes de prosseguir aqui.

Dario acorda do nocaute confuso. Não sente dor onde foi golpeado. Está sentado em um tipo de poltrona, tenta se mexer e percebe, estupefato, que seus músculos simplesmente não respondem a seus comandos, como se estivesse preso naquele assento. Olha em volta, num horror crescente, mas tudo são trevas, exceto por um poderoso holofote frontal que o impede que veja qualquer coisa, no melhor estilo julgamento do herói. Algemas o prendem a uma cadeira. Seu pavor aumenta e irracionalmente, ele grita: "Fidélio! A senha é Fidélio!" Para sua estupefação ouve risadas maldisfarçadas que vêm detrás da luz ofuscante. Em seguida, uma voz feminina bem sexy destaca-se entre os risos. Ela ri, mas de modo amargo:
"Pobre Dario. Mesmo na pior circunstância possível, cativo de pessoas que já o atacaram, talvez mais perto do que nunca da morte, ainda se agarra a seu mundo fantasioso. A vida não é filme, querido. A realidade não é a reprise de alguma porcaria que goste, onde todos se comportam previsivelmente de modo que você seja, senão o herói, pelo menos o protagonista. Lembra-se da sonda? Você tinha ido ver um filme onde um tipo de nave é miniaturizada e injetada em um corpo humano. Como aquilo atiçou sua imaginação... uma sonda pilotada por você, que exploraria o mundo a seu redor ao mesmo tempo em que faria jornadas de autoconhecimento, pois o movimento exterior é análogo ao movimento interior. Você escreveu essa frase em seu diário, um jovem de 13 anos cheio de idealismo, apesar da idade conturbada, o desejo de viver lutando contra o medo e a apatia. Dario, o que você fez com a sonda? Para onde você a levou? Não percebe que nos últimos anos tudo que tem feito é dar voltas e voltas em torno de si mesmo? Sua Enterprise, em vez de explorar o desconhecido, travar contato com ele até incorporá-lo, orbita em torno de uma lua desabitada, escura e fria. E o tempo é implacável, a cada segundo você perde uma oportunidade de mudar e crescer."

(no credits)

De algum lugar mais afastado ouve-se um som estranho, indefinível. Um ruído constante, mas discreto. Dario não sabe o que dizer. Quem são aquelas pessoas? Como saberiam da história da sonda, ele nunca tinha comentado aquilo com ninguém. "Eu... eu vou chamar a polícia se não me soltarem agora!" A voz ri de novo:

"Viu as pessoas dançando nuas em torno da fogueira? Em algum ponto de suas vidas elas ouviram o chamado e o atenderam. E se prepararam para este dia. Você também foi convocado. Lembra-se daquele sonho em que você e seu pai voavam como pássaros e ele te mostrou a Praça da Liberdade? Houve vários outros sinais, mas você nunca se permitiu compreender. Precisamos da ajuda de nosso agente para atraí-lo até aqui. Isso chamou nossa atenção. Seu incrível medo de viver a vida, correr riscos, um embotamento dos sentidos, um senso de preservação contraditoriamente auto-destrutivo. Um exemplar-símbolo da Humanidade."

"Você pertence a uma espécie tão confusa e desamparada. Sequer sabem de onde vêm, muito menos para onde vão. Descendem mesmo dos símios? Ou seriam híbridos, fruto da miscigenação de uma raça do além com os símios? Ou seriam mesmo, como muitos de vocês gostam de pensar, filhos de Deus, criados à sua imagem? Entendemos sua angústia, a necessidade de preencherem seu vazio espiritual com entidades com quem se identifiquem. Mas o que nos deixa maravilhados é o fato de esse desamparo não tê-los impedido de chegar tão longe sem se auto-aniquilarem. Dario, você e seus pares são capazes de fazerem coisas tão belas e ao mesmo tempo cometem atos tão repugnantes... quem são vocês, afinal? Que direção a sonda da Raça Humana segue?"

Philip Straub (Cityscape1)

Ele nota que o grupo detrás do holofote começa a andar na direção do ruído. De repente, um conjunto de luzes acende a 4 metros de altura.

"Dario, o que disser agora vai decidir seu futuro. Uma pergunta banal, mas a única realmente relevante. Qual é o sentido da Vida?"

Dario pode dizer: "Quem busca o sentido da Vida na verdade quer sentir a experiência de estar vivo em sua plenitude." (Joseph Campbell) Ou "A Vida é como plantar uma árvore cuja sombra você nunca vai aproveitar". (Nelson Henderson) O leitor também pode dar um palpite, a vida de nosso herói está por um fio...

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Em busca do Velho da Carrocinha de Lenha - Capítulo 4

A história deu uma engrossada. O leitor/a pode decidir entre os 3 caminhos propostos. Vou começar desenvolvendo o primeiro, onde Dario inadvertidamente presencia um ritual místico e toma uma pancada na nuca que o faz desmaiar. Tá ficando complicado, tem que pôr em ordem, mas é só seguir os capítulos.

Opção 1 (continuação) Escolha:
1a) se Dario descobrirá segredos esotéricos, envolvendo bruxaria
1b) se será submetido a um julgamento surrealista, onde sua existência será questionada. (Essa não deu pra fazer hoje)

1a) O Escolhido
Dario abre os olhos. Tenta se mexer mas percebe que está com mãos e pés atados a uma cadeira. Seus olhos estão vendados. Ele grita: "Pelamor de Deus, o que está acontecendo? Eu não fiz nada, só segui o cara na carroça por um pouco de lenha." O silêncio reforça o desespero de Dario: "Por favor, não me matem, eu não vi nada, não sei quem são vocês e..."
"Estávamos te esperando, Dario Bosside." Uma voz masculina, grave, forte, experiente.
"Há muito tempo, aliás. Acompanhamos sua infância perfeita, muitos mimos, o mal que os mimos te causaram quando entrou na adolescência, a juventude confusa, a recusa em amadurecer, seu estado atual de desorientação. Estávamos preocupados, por outro lado sabíamos que teria seus percalços num mundo como esse, você não foi feito pra ele, todo potencial Sacerdote tem as mesmas dificuldades".
"Como é que é? Sacerdote? Vocês estão vendo muito telecine action. Gente, esse papo parece texto daqueles filmes de suspense bem ruins. Vamos cortar a besteirada: que é que querem de mim?" A voz ignora Dario e continua:
"Com o tempo ficou claro que uma hora ou outra você encontraria seu centro, o momento em que se revelaria de onde vem realmente e qual seu papel. Esse momento chegou, meu filho. Você não é quem pensa ser, sabe apenas parte da história. Sabe que foi adotado ainda muito jovem, mas não tem idéia de quem sejam seus pais biológicos. Eram pessoas muito especiais, que abriram mão de suas vidas para gerar o líder que vai possibilitar mudanças tão radicais que, por enquanto, você será poupado de conhecê-las. "

Bacchanalia, por Auguste Léveque (1864-1921)

"Para sua total compreensão é necessário que voltemos aos tempos da Roma antiga. Naquela época, Dario, antes de a Igreja Católica começar o massacre de todos cultos pagãos, as mulheres celebravam seu poder em cerimônias secretas, conhecidas como bacanais. Pouco a ver com a conotação atual do termo. Cultuavam Baco, Deus do Vinho em festividades onde predominava o hedonismo. Você quer fazer fogo, não é, foi isso que o trouxe aqui. Sabia que as bacantes mergulhavam tochas acesas nas águas do rio Tibre e mesmo assim não apagavam?"
"Até que surgiu Paculla Annia, uma sacerdotiza italiana do sul, que mudou totalmente a natureza das bacanais. Foi ela quem autorizou a presença masculina nos ritos, transformando-os não só em festas do vinho e da libertinagem, mas em celebrações em homenagem à Mãe-Terra, à vida, à liberdade. Houve relatos de telepatia e clarividência nesses eventos. Não demorou muito para a popularidade de Annia chegar aos ouvidos das autoridades romanas, que, sentindo-se ameaçadas, proibiram as bacanais em 186 A.C. Pouco se sabe sobre Annia depois disso, exceto que teve dois filhos."
Dario não sabia o que pensar. Aquelas pessoas loucas o agrediram, sequestraram, e mesmo assim ele começa a sentir-se mais à vontade e tranquilo. Na verdade, Dario estava adorando a história.
"Com a perseguição às bacantes se intensificando, fazia-se necessário reunir as melhores sacerdotizas em uma Ordem Secreta, para manter vivas suas tradições e sabedoria. Criou-se a Ordem Divina da Manticora, criatura mitológica oriunda da Pérsia. Com corpo de leão, cabeça humana e cauda de escorpião, ela tornou-se para nós o símbolo da capacidade feminina de não apenas nutrir e proteger, mas também de atacar e destruir. Em cada mulher residem os pólos opostos cujo equilíbrio é determinante na harmonia do cosmos".

Já quase se divertindo, Dario pergunta "kikotenho a ver com isso?"
"Já prestou atenção em seu nome, Dario Bosside?" "É de origem francesa." "Ah, é? Já ouviu falar em alguém com esse sobrenome? Você já esteve na França, conheceu algum Bosside?" Não, Dario nunca tinha ouvido falar em Bosside nenhum.
"Meu filho, você é uma pessoa singular, comprovadamente descendente direto de Paculla Annia. Há apenas mais uma pessoa que conhecemos com a mesma ascendência e quando conhecê-la, uma bela jovem, por sinal, vocês serão coroados Rei e Rainha."
"Rei do quê? Vocês são loucos! Maldito Código da Vinci, aposto que leram o livro e tiraram essas idéias alucinadas dele."
"Sabe o que é um anagrama? Rearranje as letras do seu nome e terá: Rei dos Diabos."

Meu Deus do Céu, sou o Rei dos Diabos... Dario pensa. Explica que aquilo é obviamente um grande baque, que toda aquela tensão o deixou com vontade de ir no banheiro. Ele é desamarrado, e ainda vendado, é acompanhado por uma pessoa para um canto mais afastado da tenda. Pede licença ao "guarda", não consegue urinar com alguém olhando. Aí ouve um baque surdo, seguido de um grito de dor. Ele retira a venda e vê o capanga desmaiado no chão. Do seu lado, um velhinho com uma bengala na mão. Muito parecido com o garoto da carroça de lenha. Parecido demais até. "Vem comigo, minino. Essa gente num presta. Meu cavalo corre que é uma beleza". Dario sente a visão turvar-se por um momento. Sua sanidade sendo posta à prova: aquele velhinho é o mesmo jovem da carroça que perseguiu.

E agora? Foge com aquele ser de idade indefinida, correndo o risco de ser pego? Ou evita o carroceiro e volta para a tenda onde é "Rei"?

Perca tempo na web

Prá aqueles momentos de marasmo no trabalho ou em casa, coisas pra distrair. Uns sites meio loucos que achei por aí:

-http://www.foulbeast.com/zoomquilt/c.swf?path=zoomquilt.swf
idéia legal, execução ruim. O desenhista tem um traço pesado e usa as cores erradas. Mas não deixa de ser uma viajadinha bacana. Fique atento nos detalhes.

-http://hollywoodrecords.go.com/polyphonicspree/questfortherest/
joguinho tipo rpg, vc tem um cenário no deserto, decifre os enigmas.

-http://patterngame.com/linesuperfollow.swf
pontos coloridos formam padrões psicodélicos, coisas como a estrutura do átomo ou azulejos andaluzes de influência mourisca, depende da forma como olha; explore à vontade.

domingo, 12 de agosto de 2007

O Corpo Eterno do Monge Budista

Essa notícia é meio velha, talvez já tenha ouvido falar.

Itigelov, data indefinida, talvez por volta de 1910

Hambo Lama Itigelov era uma figura popular na Rússia. Líder da igreja budista nesse país, notabilizou-se por seu empenho em ajudar seu povo na Primeira Guerra. Em algum dia de 1927 comunicou aos monges budistas que sua morte estava próxima, mesmo sem nenhum indício de quaisquer doença, por isso passaria a maior parte do tempo meditando. Poucas horas depois ele faleceu.

No testamento Itigelov requisitou que fosse enterrado sentado na posição de lótus. Havia também o pedido de exumação do corpo após algumas décadas. Ela foi feita em 55 e 73, mas os monges não relataram nada, pois temiam a rigidez do regime comunista. Foi só em 2002 que seu corpo passou por uma exumação mais acurada, com a presença de especialistas. O cadáver estava extremamente bem conservado, sem sinais de deterioração; músculos, mucosas, pele, tudo em excelente estado. Até aí, nada de especial. Mas há um detalhe sinistro: ele não foi embalsamado nem mumificado. O relatório final diz: "o corpo está nas condições de alguém que morreu há 36 horas". Nenhum cientista se atreveu a tentar explicar o fenômeno.

O corpo exumado em 2002

Nos dois anos seguintes seu corpo foi mantido ao ar livre, permanecendo imutável. Trata-se do único caso conhecido de um cadáver imperecível. Outros corpos já foram encontrados em condições semelhantes, só que tinham passado por algum processo de conservação, e sua exposição ao ar livre rapidamente os degradava. Há quem diga que Itigelov permanece vivo, imerso num estado de hibernação, algum tipo de nirvana. Mestres budistas sustentam que pode-se repetir a façanha utilizando-se de práticas iogues e obtendo a máxima purificação do organismo antes da morte.

Por dois anos o corpo resistiu ao clima, a fungos, parasitas, a toda e qualquer força negativa. Itigelov disse antes de morrer que estava deixando uma mensagem para o mundo todo. Essa mensagem não contém palavras. Cabe a nós compreendê-la.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Em busca do Velho da Carrocinha de Lenha - Capítulo 3

(Ok, interrompemos a narrativa no momento em que Dario avista pela janela do quarto o tão procurado velho com a carroça cheia de lenha sequinha. É madrugada.)

Dario diz que vai na cozinha comer algo, em vez disso põe uma calça de moletom e um sobretudo e sai pra rua pra achar o cara na carroça. Nem sinal dele. Impelido pela obsessão, já no limite com a inasanidade, Dario simplesmente sai andando a pé na direção que a carroça seguia, dane-se o fato de estar descalço e da chuva ter voltado a cair. Eis que...

(um parênteses para externar um dilema do autor. Deveria a história seguir o curso que escolheu ou não seria mais legal ele deixar a decisão a cargo do leitor? Lembram daqueles livros "escolha sua aventura"? "Se você disser ao vampiro que na carótida tá ok, vá à pagina 23; se por outro lado jogar nele o dente de alho, pule para a 25." Ok, vou fazer isso.)

Opção 1
...depois de meia hora de caminhada, Dario avista a carroça, vazia, sem ninguém. Próximo a ela há uma tenda, que parece ter sido concebida exatamente para aquilo: um círculo de pessoas cantarem ao redor de uma fogueira executando uma dança bizarra, meio tribal, meio qualquer coisa. Tochas iluminam os limites externos da tenda, a luz bruxuleante mostra algumas pessoas nuas, outras vestem indumentárias de sacerdote; o clima místico é quase palpável. O cântico se assemelha a um alcalóide auditivo, se é que isso existe. Uma energia estranha emana daquele ritual no meio do nada, não há casas próximas. Mesmerizado, Dario não se dá conta que um homem aproxima-se atrás dele, desferindo-lhe um golpe na nuca. Dario cai desfalecido.


Ou então: (2)

... alguns metros à frente, lá está a carroça, parada junto ao meio fio. Só que seu dono não é um velho, é um rapaz. Ele fuma algo semelhante a um cigarro de palha. Olha pra Dario se aproximando e passa a se comportar como o típico mineiro capiau: desconfiado, mas sem o menor traço de hostilidade, apenas tímido demais para deixar transparecer a curiosidade sobre aquele maluco descalço que o segue. Pita e fita com rabo de olho. Dario diz boa noite, pede desculpas se o assustou. O cara continua mudo. Diz que está procurando-o há dias, precisa urgente de muita lenha pra abastecer sua lareira naquele frio que cisma em perpetuar. "Pode me vender, vi que a carroça tá cheia?". "Cheia de que?" são as primeiras palavras do capiau. "De lenha, oras" e Dario ri, achando o cara quase tão capiau como um homem das cavernas. "Mas não é lenha qui tem aqui não, moço." E o cara retira a lona que recobre a caçamba da carroça. Dario não se lembra de ter visto lona nenhuma. Mas o que há sob ela deixa-o espepufato, sem reação.
Lá estão o álbum que Dario fez com os colegas de escola quando concluíram a 4ta série primária e há ele achava ter perdido há anos. A camiseta que adorava com a estampa do calendário maia. Seu primeiro canivete suíço, a boina que usava quando criança e nunca mais viu. O caderninho onde anotava poemas para suas musas de adolescência, a prova da segunda etapa do vestibular da ufmg que fez com displicência e não passou. Uma caixa de lata onde seu pai guardava a coleção de moedas antigas, que Dario achava que a madrasta havia roubado. Céus, o livro "Sábado do Vapor", que leu, amou, emprestou e perdeu. Passagens de viagens que não fez, fotos de pessoas que teve vontade de conhecer mas se acovardou e até dele mesmo, bem diferente. Em suma, o cara levava na carroça não só a vida de Dario, mas também todas suas vidas potenciais. Depois de um tempo indefinido, ele senta no meio fio e começa a chorar. Aquilo só podia ser sonho.

Ou então, ou então! (3)
...rapidamente Dario alcança a carroça. Chama pelo carroceiro, que se vira pra ele. É mesmo um garoto. Explica que quer comprar lenha. Tudo bem. "Só não estou com grana aqui, mas minha casa é aqui do lado"... o garoto o interrompe, diz que num carece não, fica pra virar freguês. "Como virar freguês sendo que é quase impossível de te achar?" "Né mais não.", e o garoto lhe estende um cartão de visitas de fino trato, papel de primeira e tudo. Mas a única coisa que está escrita é um número de celular. O menino convida-o a subir na charrete para levá-lo, assim como a lenha que adquiriu. Dario acha o cavalo bonito, pergunta o nome. "Tem nome não". "E você, como se chama?" "Moço, nessa história os nomes não são importantes". Mais um zureta, pensa Dario. E chegam em casa. Num toque final de bizarrice, o menino instrui-o para só queimar a lenha se estiver em paz com ele mesmo. "Porque, tem alguma droga na lenha?" "Se o sinhô quiser chamar minha lenha de droga, pode chamar. Mas já te disse que nomes são supérfluos". Dario convida-o para entrar, está feliz, quer comemorar, mas o menino vai embora sem responder. Ângela assiste a cena de longe. O namorado comenta com ela o quanto o garoto é esquisito. "Mas que garoto? Aquele é um velho. Dario, cê bebeu?" Ele apenas olha pra ela e em seguida em volta. Tem uma sensação bem nítida de deslocamento, strange man in a strange land. Ele quer acender o fogo o quanto antes, ela pondera sobre o aviso do cara. Dario não sabe o que fazer, deita no sofá e fica abraçado com Ângela. Aquilo já não o faz se sentir tão fora do lugar.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Em busca do Velho da Carrocinha de Lenha - Capítulo 2

(Se estiver realmente interessado nesse post, recomendo que leia o capítulo 1, logo abaixo)

"Genial. Tamos procurando tipo um Mestre dos Magos budista, que finalmente saiu da caverna do dragão e descola um troco vendendo lenha. Faz sentido. Mas achei o marketing dele meio ultrapassado." Ângela, ri, talvez menos por achar graça que para demonstrar carinho. Estão voltando do buteco, a noite já caiu. Dario tenta entrar na jogada e pensa: ok, quando menos esperarmos, lá estará o velho da carroça. Então vou passar a agir instintivamente. Por exemplo: no próximo cruzamento, em vez de virar à direita, como sempre faço, é o caminho de casa, vou pra esquerda. Ivan e Ângela, mesmo conhecendo pouco o lugar, sentem que não estão indo pra casa. Dario expõe sua teoria. A namorada, com o bom humor habitual, acha a idéia boa, não se queixa da fumaça de cigarro no carro todo fechado - está chovendo - nem do cd que fica pulando nas ruas esburacadas. Ivan chama Dario de louco, reclama da dor no pescoço e pergunta se não podem, em vez disso, dar um pulo no Epa para ele comprar leite e salsicha pros sobrinhos. Dando conta do ridículo da situação, entrando em ruas sem saídas, aguçando a mente pra "voz do inconsciente", Dario desiste e sugere: "Vamos pegar a estrada, onde o asfalto é mais liso e dá pra ouvir cd".

Seguem na MG-10, sentido Rio Acima. Ivan pergunta se não tem uma música menos barulhenta, é Soundgarden. Pula umas faixas e começa a tocar "I will always love you", do Cure. Ivan diz que a música trás boas memórias e fica cantando a letra toda errada. Ângela e Dario dão risada. Aí Ivan começa a contar uma história de amor com toques surreais. Curiosamente, a azia de Dario passou.

A história fica pra depois. Convidam Ivan pra ver um filme com ele em casa. Não, não quer segurar vela. E vai embora. Inté.

A casa está como uma câmara frigorífica. Dario é acometido por uma angústia instantânea, é um cara complicado. Liga a tv na globonews e a mulher séria com seus óculos faz uma cara de adepta do sadomasoquismo e declara que a frente fria vai permanecer no sudeste por ao menos mais uma semana, ela e seus amigos: deslizamento de barreira, caos nos aeroportos, barracões soterrados, the whole shabang. A obsessão de Dario em aquecer a namorada leva-o a um ato extremo, inédito: "Vou ligar pros velhinhos do Bebê de Rosemary". "Quem?" "Meus vizinhos, um casal de idosos que nunca vejo. Eles têm um quê de sinistro, daí o apelido. E eles têm uma pilha enorme de lenha sequinha, já vi". Que merda, não tinha o telefone deles. Resolve visitá-los com a cara e a coragem. Ensaia um dialogozinho no caminho, inventa agravantes.

Tocou a campainha 3 vezes e já ia desistir quando uma velhinha abriu a porta. "Dona Antonieta, boa noite! A senhora parece ótima, esse xale caiu bem. Desculpe incomodar desse jeito, mas é que..." e assim por diante. Chamou-a pelo nome errado. Olhando aquele rosto na noite chuvosa, Dario poderia jurar que ela e o marido estavam criando o bebê filho do demônio que roubaram da Mia Farrow. Na sua cabeça tocava a musiquinha do filme. Nada de lenha. Velha mesquinha...

Volta pra casa puto e deprimido. A chuva volta com mais força. Os cães fazem festinha e ele os ignora. Vive um daqueles momentos que o superego o coloca no banco dos réus, como promotor, começa a desfiar o rosário de erros, atos egoístas e tudo de ruim que Dario já tinha feito. "Preciso voltar a fazer análise."

"Meritíssimo, na noite de 16 de julho, dia do aniversário do namoro do acusado com sua companheira, o que ele fez? Alguma idéia, membros do júri? Flores, poemas...? Que nada! Não, o réu ignorou-a friamente e ficou vendo tv, e notem, ele via o filme "The Running Man - O Sobrevivente", com o Arnold Shunashunega. Pasmem. Enquanto isso, sua doce namorada estava sozinha na cama". O advogado de defesa protesta. "Overruled", diz o juiz (o julgamento é gringo). Em seguida ele dá a sessão por encerrada naquele dia. À boca pequena diz-se que, devido às acusações anteriores, será difícil o réu escapar da condenação por crime de Não-Viver. Seu advogado tenta tranquilizá-lo: "o promotor só queria pôr lenha na fogueira".

Dario tenta rir de si mesmo, cada idéia, mas não consegue. Sobe, deita-se com Ângela, abraçando-a. Quando está quase dormindo, ela começa a gritar, como num pesadelo. Não consegue acordá-la e sem saber o que fazer, começa a gritar junto. Enfim ela acorda. Ouvem um tropel de cavalo. Ele levanta-se e olha pela janela. Está escuro, mas vê uma figura aparentemente jovem numa carroça carregada de lenha. São duas da manhã.