terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Cada um por si e Deus contra todos


Minha admiração com o poder do dinheiro de corromper as pessoas só faz crescer. Desalentador constatar que seja cada vez mais uma pré condição para nos educarmos, nos divertirmos etc. E que o clichê "cada um tem seu preço" seja verdadeiro. Se bem que ainda tenho esperanças que a internet ajude a reverter essa tendência, apesar de o acesso a ela também representar uma barreira monetária para a maioria esmagadora dos brasileiros. Além disso, uma mudança dessa magnitude não ocorreria apenas com a web, é algo profundo, ecos da escravidão e do mercantilismo. Somente um em cada dez cidadãos de países de terceiro mundo tem acesso a ela.

Assisti o filme Contra Todos e depois fiquei matutando sobre a quem ou o que o título se refere. "Cada um por si e Deus contra todos" é uma frase de Macunaíma, de Mário de Andrade, uma das obras que melhor captou a natureza contraditória do brasileiro. Cordial e truculento, caloroso e insensível, preguiçoso (?) e esforçado, transgressor e comodista.

Uma família de classe média baixa que poderia ser de qualquer metrópole brasileira. O pai já perdeu a esposa e tenta apaziguar sua consciência criminosa freqüentando cultos evangélicos. De uma maneira bem idiossincrática, ele tem boas intenções, até onde um matador profissional se permitiria. Sua segunda mulher, frívola e infiel, tenta fazer de sua casa um lugar minimamente habitável, sem sucesso. A filha adolescente não engole os maneirismos crentes do pai, que transbordam hipocrisia, e se rebela. Um dia o amante da mulher aparece morto, com os genitais mutilados. A partir daí todos são sugados para o vórtex do ódio, da incompreensão e da desumanidade. Tipo Shakespeare na Cidade de Deus.

Por falar em C. de D., seu diretor, Fernando Meirelles, participa desse como produtor. Um filme triste e raivoso, onde os personagens gravitam em torno de sexo, violência e dinheiro, tentam sair dessa órbita mas sempre são tragados de volta pelo tal vórtex. Depois do caso do menino de 6 anos que foi arrastado no asfalto, parece que virou moda esse dogma bem fascistinha de que a criminalidade não é um problema sócio-econômico, e sim de desvio de caráter. Tenho cá minhas dúvidas: se tivéssemos uma renda per capita nos patamares dos EUA, para citar um país também violento, certamente teríamos índices de criminalidade europeus. Mas isso é pura especulação. O que eu quero dizer é que o passado desses personagens explica seu presente atormentado; são engrenagens do mecanismo que banaliza a violência e, desse modo, incentiva sua perpetuação.

O bacana de Contra Todos é que o enredo pode até ter uns furos e ser previsível, já vimos as mesmas situações em outros lugares. Mas o desempenho dos atores, sobretudo do trio pai, madrasta e filha, aliado à complexidade dos personagens e uma direção competente coloca o filme em pé de igualdade com ótimas produções similares como O Invasor e O Homem do Ano. Seria ainda melhor se não se levasse tão a sério. Contra os personagens estão uma sociedade cruel, onde bens materiais nunca tiveram tanta importância; religiões "self service", meras ferramentas de conforto e auto-afirmação destituídas de espiritualidade; ou mesmo o destino, que às vezes parece estar rindo de nós em algum canto do Universo.
Nota: 7/10

sábado, 17 de fevereiro de 2007

£¨§ (@§¨§

Chantecler é explicado abaixo
Chantecler é o uuuummmm dos carros de corrida que fazem varuuuuummm
Chantecler é o número serial da caixa de sucrilhos kellog´s
Chantecler é o personal trainer de Deus
Chantecler é o espaço entre dois pixels na tela do seu pc
Chantecler não faz parte de quaisquer sindicato, agremiação, panelinha ou crença
Chantecler em breve estará neste blog
Chantecler bom é Chantecler morto
Chantecler é o chá verde que evaporou e ficou incolor
Chantecler tirou tinta do travessão
Chantecler são todos os zeros da linguagem binária
Chantecler é o que você vê quando fecha os olhos
Chantecler é o motorzinho que o dentista usa nos pacientes que não gosta
Chantecler é o lugar onde os ônibus se escondem de madrugada
Chantecler é a cumbuca onde deixam as serifas não utilizadas em Chantecler
Chantecler sabidamente morreu de causas naturais
Chantecler fez o McDonald´s abandonar as embalagens de isopor
Chantecler é a razão porque patos comem árvores
Chantecler não é uma partícula nem uma onda
Chantecler fica nostálgico quando fala de seus LPs
Chantecler é o "B" em AlphaOmega
Chantecler mantém uma sobrancelha reserva no bolso
Chantecler é o elemento entre o Hidrogênio e o Hélio
Chantecler fica gritando tuon tuon tuon quando você cheira lança
Chantecler é a areinha que nunca sai de sua roupa íntima quando volta da praia
Chantecler está sempre, sempre, bem pertinho do seu campo de visão, mas nunca, nunca está nele

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

The Road not Taken - Robert Frost


Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth.

Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same.

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I--
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.


Tradução

Duas estradas divergiam em um bosque em setembro
E lamentando não poder seguir em ambas vias
E sendo o único viajante, durante muito tempo me lembro
olhei para uma tão longe quanto eu conseguia
até onde ela dobrava na descida e sumia

Então peguei a outra, parecia boa e vasta
e fosse talvez a mais atraente
pois estava coberta de grama precisando ser gasta
embora aqueles que passaram na frente
tivessem gastado ambas quase igualmente

E ambas que aquela manhã igualmente fez
cobertas por folhas, pegada alguma a manchar
Oh, deixei a primeira para outra vez!
Mesmo sabendo como um caminho leva a caminhar
duvidei se iria algum dia voltar

Devo estar contando isso com a alma cortada
Em algum lugar, há uma distância de tempo imensa:
divergiam em um bosque duas estradas
e eu escolhi a menos viajada
e esta escolha fez toda a diferença.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Filmes

Não tenho mais tv paga. Achei que, além de ser uma decisão coerente com os princípios que exponho aqui no blog, seria uma forma de eu me sentir menos lesado por "eles", seja lá quem são. Recebemos em reais, mas a conta da tv paga é em dólar, com preço semelhante, ou superior, ao cobrado nos EUA ou Europa. E, cá entre nós, é tudo muito ruim, tendo em vista o nosso gasto. E parece que está piorando. O canal GNT, por exemplo, é uma sigla de "Globosat News Television". Um canal de jornalismo, certo? Errado, os caras conseguiram estragar com o único canal que eu realmente gostava. A quantidade de documentários, estrangeiros e nacionais, era enorme, em geral de alto nível. Coisas que me lembro até hoje, como Dreamland (sobre a área 51), Pierre Fatumbi Verger (antropólogo francês que pesquisava crenças africanas), As Fitas do Iceman (um serial killer), o espetacular Olhos Azuis (um experimento polêmico sobre racismo, já falei dele aqui), Notícias de uma Guerra Particular ( doc do João Moreira Salles e Kátia Lund, que depois fez Cidade de Deus), o programa TV Nation, apresentado pelo Michael Moore, antes de ele virar um pavão mal vestido de boné etc.

Devia chamar "Saia Justamente agora desse canal"

Hoje exibem séries, filmes, além umas coisas vexatórias como Saia Justa e o programa da Rita Lee (felizmente esses acabaram, acho). De um canal de um tipo de informação que antes não tínhamos acesso, o GNT virou uma espécie de revista Cláudia na tv. Já há canais de filmes e séries demais, eu quero ver documentário, coisas da BBC, da PBS, do canal +. Mas não, ficam nos empulhando com dezenas de programas sobre saúde e boa-forma, um tipo de doença do Século XXI, e coisas sobre gastronomia e vinhos, outra doença contemporânea. Chega, não tenho dinheiro pra comprar o vinho Cornollino della Putanesca, e mesmo se tivesse, só compraria pra quebrar na cabeça daquele Renato Machado.

Tudo isso pra falar que voltei ao não menos oneroso hábito de alugar DVDs. Nos últimos 4 dias vi 10 filmes. O número no final é sua nota, recomendo apenas os acima de 5.

-United 93: de Paul Greengrass. Conta a história do sequestro em 11/9/01 de um dos aviões que, presume-se, seria jogado sobre a Casa Branca se os passageiros não tivessem agido e atacado os terroristas. Tenta maneirar na patriotada, mas achei chato. 4/10.

-Match Point: com Scarlet Johansson (suspiro). De longe, o melhor filme dessa lista, o melhor que vi nos últimos meses. Woody Allen narra uma tragédia em Londres. Uma alegoria sobre o papel do destino em nossas vidas. Grandes personagens, dilemas ainda maiores. Porque não clonam uns 10 Woody Allens para dar uma melhorada na qualidade geral dos filmes? Impecável. 9/10.

-O Virgem de 40 Anos: de Judd Apatow. Esse filme é tão queima filme que sinto que é necessário eu justificar sua locação. Aluguei porque acho engraçado o protagonista, Steve Carell. Como não tinha nenhuma expectativa positiva, me surpreendeu, não é tão grosseiro como imaginava. 6/10.

-Stoned: de Stephen Wooley. Os últimos meses de vida do fundador dos Rolling Stones, Brian Jones. Consegue captar a atmosfera dos anos 60 fazendo bom uso da fotografia, mas falta um ator principal mais tarimbado, além de a produção mostrar-se um tanto precária. 5/10.

-Penetras Bons de Bico: de David Dobkin. Incrível a capacidade do cinema americano arruinar boas idéias. Tinha tudo para ser uma ótima comédia, mas é tolo como toda comédia recente e pra piorar resvala na pieguice. Chris Walken, um dos melhores atores da atualidade, paga seu mico habitual. 4/10.

O traço da graphic novel foi determinante na escolha da fotografia

-V de Vendetta: de James McTeigue. Tinha lido os quadrinhos nos anos 80, a adaptação resumiu demais a história, virou uma mistura de 1984 com O Conde de Monte Cristo. Devia ter falado sobre ele no post sobre distopias. Mas é dos caras do Matrix, o elenco é bom, Natalie Portman linda e eficiente, o tom, idealista. Destaque para meu ídolo Stephen Fry como host de um infame talk show. 7/10.

-Transamerica: de Duncan Tucker. Ótimo filme sobre um travesti que descobre ter um filho adolescente na véspera de fazer a cirurgia para mudar de sexo e se vê obrigado a conhecê-lo. Não é só um filme sobre gays, é um sensível olhar sobre como as relações humanas propiciam crescimento pessoal. A atuação de Felicity Huffman, de Desperate Housewives, é notável. 8/10.
"A vida é maior que a soma de suas partes"

-O Sacrifício: de Neil LaButte. Hoje em dia é assim: os roteiristas não conseguem ter novas idéias, aí reciclam velhos conceitos. Esse é uma refilmagem do incomparável The Wicker Man, sem nenhuma de suas qualidades. Uma verdadeira bomba, e olha que o diretor começou fazendo o interessante Nurse Betty. 3/10.

-O Jardineiro Fiel: de Fernando Meirelles. Não consegui entender porque é tão celebrado. O cara dirige um filme excelente em seu país, aí os americanos o importam e fazem ele pisar na bola em seu segundo filme. Achei lento, pretensioso, parece um desses insossos candidatos ao oscar que aparecem todo ano. Na mesma temática, prefiro O Senhor das Armas. 5/10.

-O Albergue: de Eli Roth. Meu Deus do céu, para casos como esse defendo até a volta da censura. Um filme essencialmente ruim, apelativo, sádico, onde nada se salva. Se antes desse filme ser feito podíamos dizer que o cinema não incita a violência, depois dele essa sentença torna-se questionável, pois dá vontade de dar porrada em todos aqueles envolvidos em sua produção (o que Tarantino está fazendo como produtor executivo?). Ainda esculhamba todo um país, a Eslováquia, da forma que só oliú sabe fazer: irresponsável, preconceituosa e ignorante. 2/10.

Acho que vou passar a fazer isso sempre. O problema é que a locadora mais próxima tem um acervo muito limitado. Quando tinha 12 anos tinha um caderninho onde resenhava todo filme que via. Revendo esse caderninho, vejo o quanto era pouco exigente, mas também o quanto já era obcecado com cinema. Fiz até uma versão pessoal do oscar, os mais premiados são Um Corpo que Cai, Os Intocáveis e Robocop. Velhos hábitos nunca morrem.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Historinha edificante

Não posso afirmar com certeza que essa história é verdadeira, mas gosto de pensar que é. Dizem que no final da Segunda Guerra, com os alemães já em franca desvantagem, antes de se retirarem de Paris decidiram deixar uma marca indelével em uma das mais belas cidades do mundo. Pouco antes de baterem em retirada, toneladas de explosivos foram posicionados nos mais importantes cartões postais da cidade, como a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, o Louvre, a ponte Alexandre III e sei lá onde mais. E um soldado nazista ficou incumbido de detonar as bombas. Só que quando ele se viu sozinho, rodeado por aqueles monumentos maravilhosos, provas de que o Homem não é só capaz de criar mecanismos de destruição, mas também de erigir coisas belas, não teve coragem de apertar o botão. E graças a esse soldado anônimo a cidade-luz foi preservada para as gerações futuras e ficamos com a impressão que multidões podem ser estúpidas e irracionais, mas o indivíduo sabe discernir o certo do errado, não importa de onde venha. Enfim, ainda há esperança.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Vai uma pílula vermelha?


Comecei a ler um livro com ensaios sobre Matrix. Leio, grifo e fico emocionado. Acredito na expansão da consciência. Uma aula, uma conversa, uma crise, um riso, um choro, uma música, um filme, uma palavra, uma pessoa. A teia se expande, se ramifica, ganha complexidade. Sua consciência pode ser representada pelo mapa do quarteirão onde mora, ou da sua cidade, ou do seu país. Quanto mais alto o ponto de vista mais elementos ele vai abarcar. O filme A Última Profecia fala mais ou menos isso. Indrid Cold é uma criatura alada que surge nas vésperas de uma tragédia para alertar as pessoas. Ele vê o futuro porque enxerga as coisas de uma altura que não conseguimos atingir. E vê que está tudo conectado. Assim como Neo, o protagonista de Matrix, que passa a enxergar o simulacro de realidade depois de ser ressuscitado por um beijo. De certa forma ele age como um hacker que consegue penetrar em um site proibido, invertendo sua condição submissa às máquinas, dominando-as.

A questão fundamental que o filme propõe é: você tem uma escolha. Ou você aceita o papel de escravo da máquina ou se reinventa como seu amo. Matrix é uma metáfora da visão de mundo judaico-cristã, um mundo que deu errado, tornou-se uma prisão onde não há chance de redenção a não ser por um milagre. A mais desumana das distopias. Já devo ter falado isso antes, mas vale repetir: a Humanidade é o Dr. Frankenstein, a tecnologia é o monstro que criou mas não pode controlar, e que acaba apossando-se de seu criador. Construímos nossa própria cela e inventamos "realidades" fictícias para não nos confrontarmos com nossa condição de cativos. Ou você acha que a informação que recebe através dos meios de comunicação de massa não é uma versão da matrix?

Matrix é também uma parábola bíblica. O protagonista, Neo (Keanu Reeves) é aquele que veio predestinado para salvar a Humanidade, exatamente como Jesus Cristo. Não é por acaso que sua parceira chama-se Trinity (Carrie-Anne Moss), uma alusão à Santíssima Trindade. E Morpheus (Laurence Fishburne) revela seu papel de João Batista quando diz a Neo: "Talvez você esteja procurando por mim há alguns anos, mas eu tenho te buscado a vida inteira". Para cumprir sua missão, Neo tem que renascer e então pergunta a Morpheus porque seus olhos doem. "Por que você nunca os usou". Ou como diria William Blake: "Se as portas da percepção fossem limpas, tudo apareceria para o Homem como é, infinito". A visão da realidade é devastadora, as pessoas em estado vegetativo são instrumentalizadas, viram gado das máquinas. No entanto, que importância isso tem se um confortável e apaziguador mundo virtual foi criado? Cypher (Joe Pantoliano) é o Judas do filme, o traidor. Quando se encontra com os agentes inimigos em um restaurante, come um belo steak, outro símbolo que não está ali por acaso. O teórico da comunicação Marshall McLuhan usou a carne como metáfora da enganosa diferença entre forma e conteúdo: "o conteúdo de um veículo é como um apetitoso pedaço de carne que o ladrão joga para distrair o cão de guarda da mente". Há quem assista Matrix e enxergue apenas cenas de luta e efeitos especiais, nunca percebendo o real significado do filme.

No início, Neo ainda é Thomas Anderson, um programador atormentado por uma farpa na mente, a certeza de que algo está tremendamente errado, mas não sabe o quê. O filme insinua que cada indivíduo tem a oportunidade de escolher entre a pílula azul e a vermelha. Podemos aceitar a realidade da forma como ela é, acatar as regras do jogo sem questionamentos, mesmo que essa realidade seja desumana e injusta. Ou podemos optar pela pílula vermelha e não aceitar que sejamos definidos por um agente externo, não permitir que o Estado, a religião, as convenções sociais controlem nosso livre-arbítrio, que na verdade só existe em teoria. A pílula vermelha incita perguntas como:
- Temos tecnologia ou é ela que nos tem?
- Computadores podem se tornar mais inteligentes que nós e nos transformar em uma espécie de animal de estimação?
- E se a tecnologia da procriação fosse aperfeiçoada até fazer com que o sexo e a maternidade tornarem-se dispensáveis?
- Estamos de fato marchando rumo à auto-destruição ao colocarmos a tecnologia em um pedestal, como se fosse uma deusa?
- E se a tecnologia de comunicação evoluísse a ponto de a informação ser transmitida diretamente ao cérebro, sem passar pelos sentidos? E se esse fluxo de informação fosse dominado por um agente externo? Isso não corresponderia à televisão?

A mensagem de Matrix é que já vivemos em uma sociedade na qual a vida acontece sem que possamos influenciá-la, à nossa revelia. Contudo, não há nada que possamos fazer para recuperar esse controle? Decidimos inconscientemente delegar tarefas demais à inteligência artificial a ponto de sermos dominados por ela? O filme é como um alarme que nos desperta para questionar dogmas, leis, restrições. Para aqueles que sentem a farpa na mente o desafio é abrir os olhos e procurar a verdadeira realidade, e, afinal, escapar da matrix.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Distopia - Parte 1


Distopia: antônimo de utopia; vem do sufixo grego "dys"("doente" ou "anormal"), mais "topos" ("lugar"). Termo usado para descrever um modo de controlar a sociedade de forma totalitarista e autoritária. Do ponto de vista de vários escritores de sci-fi e outros futurólogos, essas sociedades à primeira vista perfeitas, não são imunes à corrupção e seus ideais de igualitarismo mostram-se falhos, e o que é pior, o preço que se paga para viver nesse regime é alto demais. Desse modo, os avanços tecnológicos que em tese propiciariam um nível de vida mais elevado para todos, tornam-se ferramentas de manutenção do status quo.

Ao contrário das utopias, que geralmente mostram pouca ou nenhuma conexão com nossa sociedade, as distopias funcionam como advertências, exagerando convenções e políticas do nosso tempo e o que podem acarretar. Podemos encontrar traços em comum em livros e filmes distópicos:

-Enfraquecimento ou extinção dos Estados nacionais da maneira como os conhecemos.
-São as corporações que detêm o poder, fazem leis e controlam a vida de cada indivíduo com o intuito de anular sua subjetividade, em troca eliminam a pobreza, as doenças, conflitos ou mesmo a infelicidade.
-Não há mobilidade social, nem democracia, a sociedade é dividida em castas, como em Admirável Mundo Novo, onde antes de nascer o cidadão já ganha um lugar na pirâmide social.
-Há grupos e/ou pessoas que se rebelam contra o sistema e utilizam a mesma tecnologia empregada pelo establishment para combatê-lo.


Livros distópicos mostram como nossos dilemas morais do presente vão afetar o futuro. Têm uma visão crítica do poder e às vezes representam o povo como uma massa uniforme, apática e submissa. O tom predominante é pessimista, aqueles que apresentam soluções simples, como a população se insurgindo contra os poderosos e derrotando-os, não podem ser considerados distopias. Alguns exemplos dessas obras:

Neuromancer, de William Gibson: publicado em 1986, primeiro de uma trilogia, um livro revolucionário que apresentou conceitos inimagináveis nessa época, como: inteligências artificiais avançadas, criação de um cyberespaço (uma internet com todos seus potenciais) quase palpável, megacorporações substituindo os Estados, hackers, engenharia genética etc. Gibson inspirou dezenas de obras e abordou a "desumanização da Humanidade", através de tecnologias baratas e onipresentes. Um futuro onde o livre mercado e a violência são os únicos recursos para as pessoas se protegerem e os únicos valores de fato (será que isso já não está acontecendo?). Conta a história de Case, um ex hacker, que é contratado por uma misteriosa entidade para cometer um crime aparentemente impossível de ser executado.

1984, de George Orwell: publicado em 1948. Uma sátira a uma sociedade onde o Estado totalitário controla a vida de todos através do Big Brother, o olho que tudo vê, na verdade uma representação de Stálin. Narra a história de Winston, funcionário do Ministério da Verdade (?!) e sua transição da indiferença pelo regime opressor à revolta, quando se apaixona por Júlia, já que mesmo sentimentos amorosos são proibidos. Em meio à narrativa há uma inegável atmosfera de desilusão quanto ao futuro da Humanidade. O crash da bolsa de Nova Iorque havia mostrado a crueldade do sistema capitalista, e o socialismo, que parecia ser o regime que finalmente traria justiça social, revelava-se apenas como uma forma açucarada de dominação das massas em prol de um pequeno grupo. Sem falar que o mundo acabava de sair da Segunda Guerra, prova definitiva do egoísmo, da intolerância, da incapacidade de aprendermos com nossos erros. Também há lugar para debates filosóficos, como o que é a verdade, afinal? Não vou contar mais senão perde a graça.

1984, versão cinema


Admirável Mundo Novo
, de Aldous Huxley, o avô das distopias, escrito em 1932, que narra um hipotético futuro onde as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas a viverem em harmonia com as leis e regras sociais, dentro de um sistema organizado por castas. A sociedade desse "futuro" criado por Huxley não possui a ética religiosa e valores morais que regem a sociedade atual. As crianças têm educação sexual desde os mais tenros anos da vida. O conceito de família também não existe.
O protagonista Bernard Marx sente-se deslocado porque é fisicamente diferente dos membros de sua casta. Num reduto onde vivem pessoas à maneira do passado - algo como nossas reservas indígenas - um modo de vida "bárbaro" que corresponderia ao Século XX, Marx encontra uma mulher e seu filho, John, e vê neles uma oportunidade de ser mais bem aceito ao mostrar John como um típico selvagem, como se o garoto fosse um bicho raro. É nesse confronto entre a "Civilização" e o "barbarismo" que interessantes questões são levantadas. As pessoas começam a se perguntar se vale a pena abrir mão de sua individualidade e capacidade de expressar o amor por uma vida estável e "feliz". Este livro pode render muito mais reflexões, voltarei a ele.

Laranja Mecânica, de Anthony Burgess. Um livro extremamente criativo, mas também muito mal interpretado, sobretudo após sua adaptação para o cinema por Stanley Kubrick em 1971. O filme, um caso raro de transposição da literatura para o cinema de forma competente, deveria ser um libelo anti-violência e acabou gerando uma onda de atos violentos na Inglaterra, o que resultou em sua proibição. Lançado no auge da ditadura militar brasileira, foi mostrado aqui todo mutilado e com umas hilárias bolinhas cobrindo os genitais dos personagens. Burgess chegou ao ponto de criar uma nova língua para o livro, o nadsat. O título vem da expressão "as queer as a clockwork orange" (tão estranho quanto uma laranja mecânica"). Essa laranja seria o indivíduo que responde automaticamente ao que lhe é dito, sem questionar. O poder vigente do livro julga que as pessoas podem ser programadas como máquinas e é o que tentam fazer com o protagonista, um jovem pirado amante da nona sinfonia de Beethoven e de espancamentos covardes. A piscadinha de olho no final é antológica e foi copiada até pelos Simpsons.

Acho que a pergunta que os autores distópicos fazem é: como fazer com que o progresso desenfreado e o advento de novas tecnologias sejam voltados primordialmente para as pessoas e o meio ambiente, encerrando esse círculo vicioso que beneficia uma parcela cada vez mais ínfima da população? Como naquela frase: "crie corvos e eles lhe arrancarão os olhos". Estamos ficando menos humanos? Mais do que isso, suscitam questões como: é legítimo tomar posse da vida das pessoas a fim de prover suas necessidades básicas? E essas necessidades se limitariam a casa, trabalho e comida?

Há ainda muita coisa para se falar sobre o tema, filmes como Brazil, Matrix, A Ilha (apesar de ser péssimo), V de Vingança, Robocop, Fahrenheit 451 (também livro), Metropolis, Gattaca, Minority Report, Show de Truman, Aeon Flux, Alphaville etc. Continuo depois, preciso ler mais e rever alguns desses filmes, pois nem eu mesmo sei qual o propósito desse post.

domingo, 4 de fevereiro de 2007

River of Dreams

No meio da noite
Eu caminho enquanto durmo (Refrão)

Das Montanhas da Fé
Ao Rio tão Profundo
Devo estar procurando
Algo sagrado que perdi
Mas o rio é largo
E difícil de atravessar

Apesar de eu saber que o rio é largo
Toda noite vou para suas margens
Tento passar para o outro lado
Para que enfim encontre o que procuro

Refrão
Pelo Vale do Medo
Até o rio tão profundo
Eu procuro uma coisa
Que foi tirada de minha alma
Algo que nunca perderia
Algo que alguém roubou

Não sei porque caminho à noite
Eu já estou cansado
Espero que não passe todo a vida
procurando o que quero achar

Refrão
Pelas Selvas da Dúvida
Pelo Rio tão fundo
Sei que procuro algo
que só pode ser visto
pelos olhos do cego
No meio da noite

(...)

Refrão
Pelo Deserto da Verdade
Até o rio tão profundo
Todos acabamos no mar
E começamos nos riachos
Mas somos todos conduzidos pelo Rio dos Sonhos


Filosofia rasteira, parece livro de auto ajuda, sem falar na melodia. Mas adoro essa canção .