segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Martina Stroebel


O Homem que foi viver com os ursos

Timothy Treadwell (1957-2003) tinha tudo para se encaixar no "American way of life", seguir uma carreira bem sucedida, casar-se, ter filhos lourinhos de olhos azuis e promover churrascos de hamburger nos finais de semana para seus prósperos vizinhos. Contudo, em vez de trilhar de seguir a manada ele resolveu se arriscar e levou uma vida, no mínimo, peculiar. Na juventude seus interesses voltaram-se para a preservação do meio ambiente, mas seu sonho era tornar-se ator. Infelizmente, ele perdeu um papel em uma sitcom para Woody Harrelson e desistiu de sua carreira dramática, um baque que o levou às drogas e álcool.

No início dos anos 90 ele visitou o Alaska várias vezes e ficou extremamente interessado por ursos. Apesar do acesso a eles ser proibido, Tim mudou-se para o santuário dos ursos, onde viveu por 13 anos numa barraca (!). Livrou-se dos vícios graças a seus amigos peludos, segundo ele. Desobedecendo os conselhos dos índios locais de respeitar o espaço dos ursos ele se estabeleceu bem no meio deles. As mais de 100 horas de vídeo que gravou mostram o quanto era corajoso (ou estúpido), pois chegava a tocar aqueles animais enormes de 500 kilos. Dizendo-se defensor deles, ele espantava visitantes humanos agindo como um urso agressivo. Paradoxalmente, ele humanizava os animais dando-lhes nomes e conversando com eles. Qual o verdadeiro motivo de Tim tomar uma decisão tão radical? Seria puro amor à natureza ou ele estaria fugindo de si mesmo?Tim e sua raposa de estimação

Tim e sua raposa de estimação, Spirit

É esta pergunta que Werner Herzog tenta responder no documentário "The Grizzly Man". Tim tornou-se uma celebridade, foi no David Letterman, virou capa de revista, mas obviamente não queria fama e fortuna, pelo contrário, evitava tudo que era "humano". Sabe-se que longos períodos de reclusão em locais ermos propiciam jornadas de auto-conhecimento, nem sempre as descobertas são agradáveis. Em um de seus monólogos, Tim expressa seu desejo de tornar-se um urso, como se eles vivessem num mundo de conto de fadas, cheio de amor, ternura e pureza. Aparentemente ele estava se demenciando, ursos não são criaturas perfeitas, é comum os machos comerem os próprios filhos, por exemplo. Como era de se esperar,Tim morreu junto com a namorada ao serem atacados por um urso. Um detalhe macabro: no momento do assassinato, a câmera estava ligada, e embora com a lente coberta, pode-se ouvir claramente os gritos agonizantes do casal.

Tim e Anne

O fascínio de Herzog pelo protagonista é evidente. Na verdade, alguns especialistas apontaram que sua presença no santuário não só era dispensável, pois não corriam risco de extinção, mas era prejudicial, pois ele estava habituando os ursos à presença humana. Portanto, Tim pouco tinha de ambientalista, na verdade ele procurava seu lugar no mundo. Rotulá-lo como louco é uma saída demasiadamente superficial. Ele enxergava os elos que ligam todas as criaturas vivas, o fato de que somos parte de algo muito maior e insistia na necessidade de respeitar a natureza. Pensando bem, Tim era mais lúcido que a maioria de nós. Ele fez sua parte, embora de modo pouco científico e muito tresloucado. Mas o que importa é a mensagem que deixou.

Dêem um Google em "Grizzly Man" ou "Timothy Treadwell", se quiserem saber mais

Era sobre isso que divagava quando saí do cinema. Até onde vamos para nos encontrarmos, como a natureza humana é complexa e peculiar. Entrei no carro, o tráfego congestionado exasperava as pessoas, motoristas se recusando a dar passagem a outros numa verdadeira disputa territorial. Fui para um bar com uma amiga um desses bares meio caros, pretensiosos. Na mesa ao lado homens de terno concordavam que a solução era matar os criminosos para que trabalhadores como eles pudessem ostentar seus Jaguars sem medo. Mais tarde dois bêbados começam a discutir por que supostamente um cantou a mulher do outro, e se atracam numa briga. Ninguém intervém, até que um bate na cabeça do outro com uma garrafa de Skol e este desmaia. A mulher passa a chorar com estridência, o outro cara foge correndo. Chega a ambulância. Não garantem que ele seja atendido porque não tem plano de saúde.

Afinal, quem somos nós para chamá-los de "animais selvagens"?