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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Qual é a do Mike Yanagita?

Aaaah, como é bom nos darmos ao luxo de ignorar os temas "atuais", como Dilma Rousseff, Tiririca, queimadas em todo o país ou a explosão do "sertanejo universitário" - não há nada de novo que mereça ser debatido sobre essas pessoas ou eventos, eles sempre vão periodicamente nos perturbar, talvez mudem de nome, mas é sempre a mesma coisa da história se repetir como uma farsa. Chega de redundâncias. Em vez disso, que tal dar um mergulho em nossas memórias afetivas, recordar detalhes de filmes que de fato têm algo a nos dizer?

Fargo (1996) revelou ao mundo os irmãos cineastas Joel e Ethan Coen, figuras carimbadas no blog. Ganhou os oscars de atriz para Frances McDormand e roteiro; onze anos depois eles coroariam o processo de conquista do cinema comercial com Onde os Fracos Não Têm Vez, que ganhou o de melhor filme, entre outros. Fargo, uma falsa história real, (brincadeira de mau gosto típica dos Coen) trama inclassificável, misturando drama, comédia e policial e um olhar impiedoso sobre a miserável condição humana, talvez seja seu filme mais emblemático. Ambientado nos confins gelados da América profunda, narra a tragédia pessoal de um vendedor de carros (William H. Macy, excelente) que contrata dois criminosos para sequestrarem sua própria esposa para depois receber o resgate do sogro. É lógico que dá tudo errado, o plano resulta na matança sem sentido de várias pessoas. Uma policial grávida (McDormand) começa a investigar os assassinatos e no meio de suas incursões encontra-se em um restaurante com um antigo colega de escola. É nesse ponto que eu queria chegar.
Mike embarrera na moça

O encontro parece estar desconectado do restante do roteiro, o personagem Mike Yanagita não tem relação alguma com a história, fora o fato de ter estudado com a policial. Mas é claro que a cena não está ali gratuitamente. Mike conta que casara-se com uma amiga em comum e que depois ela teria desenvolvido leucemia, morrendo pouco depois. Ele se mostra deprimido e carente e chora ao relatar a história. Em seguida a policial dá uma desculpa e vai embora rapidinho, Mike também é chato e inconveniente. Posteriormente, descobrimos que na verdade ele nunca se casou, teve sérios problemas emocionais e virou um desses caras que persegue mulheres obsessivamente, um stalker. Apesar de seu comportamento doentio, acabamos nos apiedando dele. Na internet há algumas explicações para a existência da cena. Uns dizem que ela causa um insight na policial, a única personagem do filme que parece ter princípios morais, que ao descobrir que Mike mentira elabora a hipótese que talvez uma das pessoas que investiga também estaria contando uma elaborada lorota. Faz sentido. Mas também há umas explicações mais filosóficas. Assista o trecho em http://www.youtube.com/watch?v=r_Ge4F4E9JE. Se você viu o filme, acha a cena supérflua ou gostou de sua impertinência? Se não viu, está vacilando.

domingo, 9 de agosto de 2009

Manuscrito encontrado sob um colchão de Hospital Psiquiátrico - Dois

(continuação; leia antes a parte Um)

Primeiro foi o cãozinho. Uma dessas raças fofinhas. Com certeza já estava doente, talvez fosse geneticamente defeituoso e o Josimar deixou com o homem porque não sabia o que fazer com o bicho. Afinal, Josimar sabia que ele e a mulher não permitiriam que atravessasse a cidade de moto na noite gelada com aquela criaturinha frágil. Caíram feito patos. O cachorrinho branco, batizado Pisquilo, morreu menos de um dia depois. O homem ainda gastou R$ 170,00 com veterinário, o que de nada adiantou. Viu o exato instante em que o sopro de vida saiu do bichinho e não voltou mais. Ficou chocado e deprimido. Prometeu a si mesmo nunca mais presenciar aquilo. O testemunho da visita do grandalhão de túnica negra, capuz e foice. The grim reaper. O Ceifeiro.

Pois poucas semanas depois o Ceifeiro voltaria a visitá-lo para roubar o fôlego de mais um vivente muito próximo dele: sua companheira, sua mulher.


9/6/09

E foi na reunião dos Narcóticos Anônimos, ali mesmo no hospital.

"Nunca mais vou te deixar pois agora sou uma canção". Música de China. Linda. É a Isabel. "Bebel, te amo muito, não importa onde você estiver. Hoje meus olhos ficaram marejados quando falei de ti pro psicólogo". "Você chorou na morte dela ou desde então?", pergunta o psicólogo. "Deixe-se acreditar, esse é o Reino da Alegria, não tema", diz o estranho clipe do Mombojó.

(continua)

sábado, 8 de agosto de 2009

Manuscrito encontrado sob um colchão de Hospital Psiquiátrico - Um

Uns meses atrás li uma matéria nalgum lugar sobre uma revista americana cujo conteúdo é composto de notas anônimas encontradas ao acaso: na rua, em latas de lixo, esquecidas em salas de espera de um dentista etc. Desde listas de compras até poesias. Achei supimpa, fiquei doido pra ler a publicação.

Mas como o destino, esse gozador, sempre nos apronta uma, nunca tive a oportunidade de ler a tal revista, mas chegou às minhas mãos uma fascinante narrativa achada randomicamente, - à maneira de Narrativa de A. G. Pym, do Edgar Allan Poe - através da enfermeira da minha avó. Ela tem outro emprego numa instituição psiquiátrica e há poucos dias, ao trocar os lençóis de um paciente recém-saído, descobriu uma porção de folhas de papel higiênico preenchidas com uma escrita elegante e sinuosa. Por algum motivo guardou o manuscrito e depois me mostrou. Formidável.
Veleiros - Artur Bispo do Rosário

8/6/09

E olhou para o céu de novo. Não havia muito a se fazer ali a não ser zanzar pelos corredores, num tipo de corrida com obstáculos, estes sendo os habituais pedidores do cigarro, os loucos 22, médicos que pareciam estar em suas próprias corridas com obstáculos. Ou, enfim, espiar as nuvens, quando possível, o que nem sempre era. Havia contingências, como céus de Brigadeiro e horários específicos para permanecerem no pátio, quando, aí sim, podia refletir sobre a fugacidade das nuvens de inverno, suas tonalidades que não encontravam simulacros. Etéreas, como o tal corpo que os espíritas dizem que possuímos. Sopro de vida. É simples assim: ou ele está presente em você ou não. Naqueles últimos 30 dias ele havia presenciado duas criaturas perderem a vida ali, do seu lado.

(continua)