sexta-feira, 12 de maio de 2006

Adaptação

Charlie Kaufman escreve da maneira como vive... com grande dificuldade. Seu irmão gêmeo Donald vive da maneira que escreve... como um bobo alegre. Susan escreve sobre a vida... mas não consegue viver. A vida de John é um livro... esperando para ser adaptado. Uma história... Quatro vidas ... Um milhão de possíveis desdobramentos.

Traduzi essa tagline - a frase que colocam no cartaz do filme como chamativo - por ser curta e precisa."Adaptação" não é a Oitava Maravilha do Mundo, mas tendo em vista a quantidade de lixo cinematográfico que nos empurram em quantidades crescentes, o longa é um oásis de idéias originais, diálogos preciosos, um roteiro inegavelmente bem estruturado, e - ok, admito que gosto do Nicholas Cage, ele faz os gêmeos - um elenco afiadíssimo. Um dos grandes apelos do filme é o relacionamento do roteirista brilhante, mas péssimo em relações humanas (Charlie), com seu irmão artisticamente medíocre, mas bem menos neurótico (Donald). O filme basicamente descreve a busca de Charlie para se aceitar e estabelecer uma conexão com a Humanidade, enquanto tenta adaptar o livro "O Ladrão de Orquídeas", de Susan Orlean (Meryl Streep), para o cinema. Ele e o irmão adoram a música "Happy Together". Eu também. Vou transcrever uns diálogos. Traduzir, definitivamente, é uma coisa chatíssima.
John Laroche: You know why I like plants?
Susan Orlean: Nuh uh.
John Laroche: Because they're so mutable. Adaptation is a profound process. Means you figure out how to thrive in the world.
Susan Orlean: [pause] Yeah but it's easier for plants. I mean they have no memory. They just move on to whatever's next. With a person though, adapting almost shameful. It's like running away.
Um outro diálogo bem bacana ocorre quando o ladrão de orquídeas John Laroche (Chris Cooper, que ganhou oscar de ator coadjuvante por esse papel) conta que Charles Darwin descobriu uma espécie dessa flor cujo repositório de pólen é tão profundo que nenhum inseto conhecido até então alcançaria. Então ele inferiu que deveria haver um inseto cujo probóscide (tipo de tromba) seria longo a ponto de poder "fazer amor"- palavras do personagem - com a orquídea. Anos depois de sua morte descobriram o tal inseto, exatamente como Darwin prevera. Pensando bem, vamos deixar Laroche falar das flores:
"Point is, what's so wonderful is that every one of these flowers has a specific relationship with the insect that pollinates it. There's a certain orchid look exactly like a certain insect so the insect is drawn to this flower, its double, its soul mate, and wants nothing more than to make love to it. And after the insect flies off, spots another soul-mate flower and makes love to it, thus pollinating it. And neither the flower nor the insect will ever understand the significance of their lovemaking. I mean, how could they know that because of their little dance the world lives? But it does. By simply doing what they're designed to do, something large and magnificent happens. In this sense they show us how to live - how the only barometer you have is your heart. How, when you spot your flower, you can't let anything get in your way."
Ou como Donald conseguiu resumir: "You are what you love, not what loves you".
Eu queria transcrever mais diálogos, o funcionamento da cabeça de Charlie e outras coisas, mas isso vai acabar prejudicando o objetivo primordial desse post que é te convencer a ver o filme. E tem um tipo de pegadinha genial que por si só já torna-o uma pequena jóia. Belo e raro como uma orquídea-fantasma..

Nenhum comentário: