No livro O Matador, da Patricia Melo (que virou o filme O Homem do Ano, com o Murilo Benício) o protagonista faz uma observação simples mas interessante sobre nossa existência. Ei-la:
"Enquanto caminhava e olhava para meus sapatos fodidos, eu pensava que a vida é uma coisa engraçada. Ela vai sozinha, como um rio, se você deixar. Você também pode botar um cabresto, fazer da vida o seu cavalo. A gente faz da vida o que quer. Cada um escolhe sua sina, cavalo ou rio." (Não por acaso escolheram este trecho para finalizar o filme).
E você resolve viver a vida, a sua vida, sujeito, ator, cavalo em vez de rio. E acha que isso vai bastar, que aquele momento em que você foi abençoado com um pensamento lúcido vai se prolongar indefinidamente, como um moto-perpétuo. Mas é claro que o tédio, as desilusões, o medo, o destino, o comodismo ou seja lá o quê sempre vêm, ameaçando com tempestades seu céu de brigadeiro. Com as tormentas a situação vira do avesso, o mundo parece se fechar novamente para você. Mas aí você se levanta e tenta fazer ou pensar outra coisa. Nem que seja escrever o que vier à cabeça no seu blog, prá ver se no papel a coisa faz sentido. A mudança de perspectiva, a admissão da fragilidade de sua própria vida e do seu bem-estar te faz mais humilde, mais incerto quanto às suas certezas, menos refratário. E se você permitir, mais uma vez acontece aquele insight, aquela idéia que te deixa emocionado. Pode acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar, como no meio de um engarrafamento ouvindo Neil Young no rádio. E quanto mais você pensa, mais se emociona e sente os olhos se encherem d´água, um nó na garganta e percebe tardiamente que sua voz está embargada, que se você continuar falando o quanto aquela melodia é sublime todos vão perceber que você está chorando. Como uma criança. Como alguém que não tem medo do que sente, mesmo que aquilo pareça paradoxalmente solitário e universal. E eu não sei quanto a você, mas essa melodia preciosa fica guardada na minha cabeça, adormecida no marasmo da rotina. Seu sono pode se estender por meses, anos, como se eu tivesse apertado a tecla mute. Mas eu tenho a impressão que se você seguir as pistas certas, se você seguir o caminho que o insight iluminou tão brevemente e segui-lo, a despeito das trevas, a melodia vai retornar, mais bela do que nunca, multiplicando seus canais, se enriquecendo. Som que ganha forma, luz que pode ser ouvida. Sinestesia.
Daí vem minha teoria. A música é parte inerente de cada um de nós, todos temos um "hino", um tema musical, algo que nos remete a momentos inesquecíveis, nos faz levantar e gritar e celebrar por nos sentirmos tão vivos. Mas como eu disse, a música pode ficar anos sem tocar na sua jukebox mental. Talvez as pessoas passem a vida inteira sem se darem conta que há uma sucessão de sons tão harmônica que as faria sonhar como nunca antes. Quando me envolvo num projeto, que nasce como uma idéia, para depois ir se concretizando aos poucos, não posso deixar de associar esse processo de crescimento a uma música. Cada passo é uma nota musical, e quando você termina tem muito mais que um trabalho bem feito: tem uma sinfonia tão bela quanto silenciosa. Mais que sonhar, a música pode te fazer levitar e te dar asas - mesmo sem tomar red bull.
Em algum lugar do universo as naves espaciais são movidas a ondas sonoras. Seu combustível é a música.
Escreva dizendo qual é o seu hino. Pode ser mais de um. Eu, por exemplo, entro em órbita quando escuto Cross-Eyed Mary do Jethro Tull, Whiter Shade of Pale, Nights in White Satin do Moody Blues, Eleanor Rigby (de preferência com o Ray Charles) e Mestre Jonas do Sá & Guarabira, entre muitas e muitas outras.
Um comentário:
Coincidencias acontecem....meu proximo post seria sobre trilha sonora, musica...agradeço tua visita ao nouvelle vague, e gostaria de adicionar teu link, e fazer referencia a um trecho seu deste post. Achei sensacional!
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