Acredite naqueles que buscam a verdade. Duvide dos que já a encontraram. André Gide
sábado, 25 de agosto de 2007
Em busca do Velho da Carrocinha de Lenha - Capítulo 4 (cont.) - Segunda Opção
Dario descobre que sob a lona que supostamente cobria a lenha na verdade há um memorial de sua vida, assim como das escolhas que poderia ter feito. As oportunidades perdidas e onde elas o levariam, documentos que na realidade não existiriam, pois se referiam a vidas virtuais. Ele se sentiu como se tivesse ao mesmo tempo levado uma pancada na cabeça e uma facada no coração. A culpa e o arrependimento o sufocaram, a dor na alma foi tão forte que ele não se aguentou em pé, sentou no meio fio e chorou. Pois, a rigor, nunca havia realizado nada na vida, nunca deixara de ser o adolescente inconsequente. Uma criança séria, contida, mas inteligente e perspicaz tornou-se um fracasso aos 30 anos, uma eterna promessa, na melhor das hipóteses. Ele sabia qual era o caminho caminho certo, viu as placas indicativas, mas sempre fez as escolhas erradas, as mais fáceis.
Ele recebera o chamado da maturidade e tinha tudo para dar mais um passo em direção ao auto-conhecimento, tornando-se mais confiante, com maior controle de si próprio. Sua imaginação borbulhava, as possibilidades pareciam infinitas... já não via o outro com receio, pelo contrário, enxergava-se nele, passou a se identificar com Humanidade. De repente sentia fazer parte de algo maior, e como tudo isso parecia quase assustador, de tão novo. Anos depois, recordando-se desta fase, concluiu que tinha entrado, na verdade, pela primeira vez na em sua existência, na cadência do Cosmo, na frequência da vida. Foi como se sua janela para o mundo, que sempre estivera fechada, tivesse sido aberta completamente, de uma vez.
Você é jovem, a vida é longa
Dá pra matar o tempo hoje
Aí um dia você descobre
que dez anos se passaram
Ninguém te disse quando correr
Você perdeu a largada
Talvez ficou cego pela súbita luminosidade. Ou o medo enorme de fracassar falou mais alto. O fato é que ele tinha a faca e o queijo na mão. Mas os ratos comeram o queijo, a faca ele usou em si mesmo.
E você corre e corre para alcançar o sol mas ele está se pondo.
Dando voltas para você alcançá-lo e depois perdê-lo novamente.
O sol, de maneira relativa, é o mesmo, mas você está mais velho.
Perdendo o fôlego e um dia mais perto da morte.
Dario sempre gostou de "Time", achava bacana a identificação com a letra. Hoje parece trágica, triste, fatalista. Foi-se o glamour do estilo de vida "James Dean", como ele gostava de pensar, entrou um estado de quiet desperation, à maneira inglesa. The time is gone, a música acabou, pensou que tinha something more to say.
De volta ao lar.
Gosto de ficar aqui quando posso.
Quando chego em casa cansado e com frio
é bom aquecer os ossos no fogo
Dario limpa as lágrimas e sorri. Até na música melancólica do Pink Floyd era impelido a procurar a lenha. O homem da carroça, que acompanhou em silêncio seu choro, enfim pergunta se pode ajudá-lo em alguma coisa. "Que loucura é essa? Isso não pode ser real, os documentos do meu passado você pode ter conseguido, mas e todas essas coisas do futuro? Passagem aérea para Izmir, na Turquia, para 2008, em meu nome?" "Moço, essa coisa de real ou invenção é meio estranho"... Dario finalmente repara que o cara não tem um olho mesmo, no lugar dele uma pele enrugada, causando quase pavor pela feiúra.
Agora chega a hora de escolher. Todo o relato acima realmente não passou de um sonho, Dario vai acordar no dia seguinte em sua cama e ir correndo escrever o sonho, como costumava fazer.
Ou ele resolve simplesmente aceitar esse fato inexplicável e elogia o burrico que puxa a carroça. O homem apenas olha pra ele e pergunta de novo se pode ajudar. "Sim, quero saber mais, quem é você, como desenvolveu essa capacidade de descobrir vidas alternativas, isso é fantástico."
"Intão o sinhô vai ter que procurar um cumpadi meu, te dou o endereço. Mas achei que o sinhô tinha falado que queria era lenha."
"Mas você não tem."
"Tem, sim." E ele dá um assobio. Dario vê Ivanzão surgindo Deus sabe de onde e caminhando em direção a ele, com um enorme feixe de lenha. "Ô Dario me ajuda aqui, tô carregando isso desde lá longe. Meu cigarro tá acabando, me empresta uma grana pra eu comprar 3 maços de Carlton?"
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5 comentários:
A saga de Dario emociona. Que tenhamos todos, então, a Sabedoria de Fazer Escolhas.
A Sabedoria de Viver a Vida.
Abraços, flores, estrelas..
.
Acho que estou pegando o "jeito" da história. É fascinante o momento na vida de um homem, quando ele "desperta" e "cai em si"... Cedo ou tarde isto acontece...
Quanto às duas opções, eu sempre achei que o recurso da fuga, do sonho, o mais fácil, como recurso de narração. Prefiro o caminho mais difícil... (no caso, para vc o autor).
Aguardo a continuação!
Abraços,
Hmm...
Sim, claro que vou ler até o final. (Mas eu vou reservar meus comentários, tá? Sei que quem escreve gosta de ver o que pensam a respeito. Tenha em mente que eu sou um diletante. Mas comento. No final, porque senão fica difícil ter uma idéia do conto.)Gostei da história. Tem essa coisa que nos "puxa" pra dentro do conto. Acho que o misticismo involvido - pra mim, pelo menos.
Platero era o nome do burrinho de Juan Ramon Gimenez, no livro quase infantil que ele escreveu - Platero e eu. Ganhei de presente de um amigo muito querido que me suportava na infância (não quero dizer "apoiava": ele era adulto, eu um moleque convencido. Mas ele me deu o livro, e isso ficou grudado na minha memória. Aí, fora "Ruço", que é o burrico do Sancho Pança, foi o nome que me meio como possibilidade de ser a alcunha "estranha" do burro do carregador de lenha.
Coisa pessoal. Sei lá. Talvez ninguém mais entenda.
Abração.
Ja fiz "papel" de Dário... não faço mas nunca, na verdade ainda sou humano e de vez enquando tenho umas discaidas ha ha ha ha
Demais o post...
E as imagens do Jacques Resch são demais e as fotos fiquei horas viajando n´las... Sean Mchugh
Abraço
Pãozim de queijo.
Só pra deixar beijo gostoso.
Sentindo (já) a sua falta.
MUITO.
MUITTTTTTOOOOOOOOOOOOOOOOO.
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