sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Em busca do Velho da Carrocinha de Lenha - Capítulo 2

(Se estiver realmente interessado nesse post, recomendo que leia o capítulo 1, logo abaixo)

"Genial. Tamos procurando tipo um Mestre dos Magos budista, que finalmente saiu da caverna do dragão e descola um troco vendendo lenha. Faz sentido. Mas achei o marketing dele meio ultrapassado." Ângela, ri, talvez menos por achar graça que para demonstrar carinho. Estão voltando do buteco, a noite já caiu. Dario tenta entrar na jogada e pensa: ok, quando menos esperarmos, lá estará o velho da carroça. Então vou passar a agir instintivamente. Por exemplo: no próximo cruzamento, em vez de virar à direita, como sempre faço, é o caminho de casa, vou pra esquerda. Ivan e Ângela, mesmo conhecendo pouco o lugar, sentem que não estão indo pra casa. Dario expõe sua teoria. A namorada, com o bom humor habitual, acha a idéia boa, não se queixa da fumaça de cigarro no carro todo fechado - está chovendo - nem do cd que fica pulando nas ruas esburacadas. Ivan chama Dario de louco, reclama da dor no pescoço e pergunta se não podem, em vez disso, dar um pulo no Epa para ele comprar leite e salsicha pros sobrinhos. Dando conta do ridículo da situação, entrando em ruas sem saídas, aguçando a mente pra "voz do inconsciente", Dario desiste e sugere: "Vamos pegar a estrada, onde o asfalto é mais liso e dá pra ouvir cd".

Seguem na MG-10, sentido Rio Acima. Ivan pergunta se não tem uma música menos barulhenta, é Soundgarden. Pula umas faixas e começa a tocar "I will always love you", do Cure. Ivan diz que a música trás boas memórias e fica cantando a letra toda errada. Ângela e Dario dão risada. Aí Ivan começa a contar uma história de amor com toques surreais. Curiosamente, a azia de Dario passou.

A história fica pra depois. Convidam Ivan pra ver um filme com ele em casa. Não, não quer segurar vela. E vai embora. Inté.

A casa está como uma câmara frigorífica. Dario é acometido por uma angústia instantânea, é um cara complicado. Liga a tv na globonews e a mulher séria com seus óculos faz uma cara de adepta do sadomasoquismo e declara que a frente fria vai permanecer no sudeste por ao menos mais uma semana, ela e seus amigos: deslizamento de barreira, caos nos aeroportos, barracões soterrados, the whole shabang. A obsessão de Dario em aquecer a namorada leva-o a um ato extremo, inédito: "Vou ligar pros velhinhos do Bebê de Rosemary". "Quem?" "Meus vizinhos, um casal de idosos que nunca vejo. Eles têm um quê de sinistro, daí o apelido. E eles têm uma pilha enorme de lenha sequinha, já vi". Que merda, não tinha o telefone deles. Resolve visitá-los com a cara e a coragem. Ensaia um dialogozinho no caminho, inventa agravantes.

Tocou a campainha 3 vezes e já ia desistir quando uma velhinha abriu a porta. "Dona Antonieta, boa noite! A senhora parece ótima, esse xale caiu bem. Desculpe incomodar desse jeito, mas é que..." e assim por diante. Chamou-a pelo nome errado. Olhando aquele rosto na noite chuvosa, Dario poderia jurar que ela e o marido estavam criando o bebê filho do demônio que roubaram da Mia Farrow. Na sua cabeça tocava a musiquinha do filme. Nada de lenha. Velha mesquinha...

Volta pra casa puto e deprimido. A chuva volta com mais força. Os cães fazem festinha e ele os ignora. Vive um daqueles momentos que o superego o coloca no banco dos réus, como promotor, começa a desfiar o rosário de erros, atos egoístas e tudo de ruim que Dario já tinha feito. "Preciso voltar a fazer análise."

"Meritíssimo, na noite de 16 de julho, dia do aniversário do namoro do acusado com sua companheira, o que ele fez? Alguma idéia, membros do júri? Flores, poemas...? Que nada! Não, o réu ignorou-a friamente e ficou vendo tv, e notem, ele via o filme "The Running Man - O Sobrevivente", com o Arnold Shunashunega. Pasmem. Enquanto isso, sua doce namorada estava sozinha na cama". O advogado de defesa protesta. "Overruled", diz o juiz (o julgamento é gringo). Em seguida ele dá a sessão por encerrada naquele dia. À boca pequena diz-se que, devido às acusações anteriores, será difícil o réu escapar da condenação por crime de Não-Viver. Seu advogado tenta tranquilizá-lo: "o promotor só queria pôr lenha na fogueira".

Dario tenta rir de si mesmo, cada idéia, mas não consegue. Sobe, deita-se com Ângela, abraçando-a. Quando está quase dormindo, ela começa a gritar, como num pesadelo. Não consegue acordá-la e sem saber o que fazer, começa a gritar junto. Enfim ela acorda. Ouvem um tropel de cavalo. Ele levanta-se e olha pela janela. Está escuro, mas vê uma figura aparentemente jovem numa carroça carregada de lenha. São duas da manhã.

Um comentário:

Lidiane disse...

Sabe que pensei que não fosse me surpreender?
Mas a continuação ficou ótima!
Sério mesmo.

1. Mestre dos Magos foi uma lembrança que me fez abrir sorrisão por aqui.
Todo mundo adora Caverna do Dragão. Eu não sou diferente.
:)
Vem cá, quem você seria no desenho, hum?
E qual dos poderes você gostaria de ter?

2. Gostei de saber que a Ângela tem bom humor.

3. Ivanzão querendo comprar leite e salsicha pros sobrinhos.
Ahaahahhahahahahaahah.
Adorei!

4. Vou te contar um segredo: eu adoro passear de carro ouvindo música e conversando.
Ainda mais se a música for boa, a companhia for melhor ainda e o asfalto for lisinho.

5. Esse Dario é complicado mesmo.
Mas, parece que a Ângela gosta muito dele.

6. Deu medo da sua vizinhança.
Bebê de Rosemary...
Gostei disso não.

7. Pois é. Pecado mortal deixar a namorada dormir sozinha no dia de aniversário de namoro.
Se fosse comigo, eu também não ia gostar.
Então, o julgamento foi merecido. Ainda que tenha sido imaginário.
Mas, um abraço apertado, carinhoso, quentinho e verdadeiro perdoa (quase) tudo.
Aposto que a Ângela no dia seguinte, nem lembrou direito disso.

8. Desculpa, mas eu tive de rir aqui.
Como assim ele começa a gritar junto?
Tadinha da Ângela. Nem se pode ter um pesadelo hoje em dia...

9. O velhinho da lenha apareceu?
Nossaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
Será que tem ligação com o sonho da Ângela?

Aguardo continuação.

Beijo, escritor.
Beijo e saudade.