(Ok, interrompemos a narrativa no momento em que Dario avista pela janela do quarto o tão procurado velho com a carroça cheia de lenha sequinha. É madrugada.)
Dario diz que vai na cozinha comer algo, em vez disso põe uma calça de moletom e um sobretudo e sai pra rua pra achar o cara na carroça. Nem sinal dele. Impelido pela obsessão, já no limite com a inasanidade, Dario simplesmente sai andando a pé na direção que a carroça seguia, dane-se o fato de estar descalço e da chuva ter voltado a cair. Eis que...
(um parênteses para externar um dilema do autor. Deveria a história seguir o curso que escolheu ou não seria mais legal ele deixar a decisão a cargo do leitor? Lembram daqueles livros "escolha sua aventura"? "Se você disser ao vampiro que na carótida tá ok, vá à pagina 23; se por outro lado jogar nele o dente de alho, pule para a 25." Ok, vou fazer isso.)
Opção 1
...depois de meia hora de caminhada, Dario avista a carroça, vazia, sem ninguém. Próximo a ela há uma tenda, que parece ter sido concebida exatamente para aquilo: um círculo de pessoas cantarem ao redor de uma fogueira executando uma dança bizarra, meio tribal, meio qualquer coisa. Tochas iluminam os limites externos da tenda, a luz bruxuleante mostra algumas pessoas nuas, outras vestem indumentárias de sacerdote; o clima místico é quase palpável. O cântico se assemelha a um alcalóide auditivo, se é que isso existe. Uma energia estranha emana daquele ritual no meio do nada, não há casas próximas. Mesmerizado, Dario não se dá conta que um homem aproxima-se atrás dele, desferindo-lhe um golpe na nuca. Dario cai desfalecido.
Ou então: (2)
... alguns metros à frente, lá está a carroça, parada junto ao meio fio. Só que seu dono não é um velho, é um rapaz. Ele fuma algo semelhante a um cigarro de palha. Olha pra Dario se aproximando e passa a se comportar como o típico mineiro capiau: desconfiado, mas sem o menor traço de hostilidade, apenas tímido demais para deixar transparecer a curiosidade sobre aquele maluco descalço que o segue. Pita e fita com rabo de olho. Dario diz boa noite, pede desculpas se o assustou. O cara continua mudo. Diz que está procurando-o há dias, precisa urgente de muita lenha pra abastecer sua lareira naquele frio que cisma em perpetuar. "Pode me vender, vi que a carroça tá cheia?". "Cheia de que?" são as primeiras palavras do capiau. "De lenha, oras" e Dario ri, achando o cara quase tão capiau como um homem das cavernas. "Mas não é lenha qui tem aqui não, moço." E o cara retira a lona que recobre a caçamba da carroça. Dario não se lembra de ter visto lona nenhuma. Mas o que há sob ela deixa-o espepufato, sem reação.
Lá estão o álbum que Dario fez com os colegas de escola quando concluíram a 4ta série primária e há ele achava ter perdido há anos. A camiseta que adorava com a estampa do calendário maia. Seu primeiro canivete suíço, a boina que usava quando criança e nunca mais viu. O caderninho onde anotava poemas para suas musas de adolescência, a prova da segunda etapa do vestibular da ufmg que fez com displicência e não passou. Uma caixa de lata onde seu pai guardava a coleção de moedas antigas, que Dario achava que a madrasta havia roubado. Céus, o livro "Sábado do Vapor", que leu, amou, emprestou e perdeu. Passagens de viagens que não fez, fotos de pessoas que teve vontade de conhecer mas se acovardou e até dele mesmo, bem diferente. Em suma, o cara levava na carroça não só a vida de Dario, mas também todas suas vidas potenciais. Depois de um tempo indefinido, ele senta no meio fio e começa a chorar. Aquilo só podia ser sonho.
Ou então, ou então! (3)
...rapidamente Dario alcança a carroça. Chama pelo carroceiro, que se vira pra ele. É mesmo um garoto. Explica que quer comprar lenha. Tudo bem. "Só não estou com grana aqui, mas minha casa é aqui do lado"... o garoto o interrompe, diz que num carece não, fica pra virar freguês. "Como virar freguês sendo que é quase impossível de te achar?" "Né mais não.", e o garoto lhe estende um cartão de visitas de fino trato, papel de primeira e tudo. Mas a única coisa que está escrita é um número de celular. O menino convida-o a subir na charrete para levá-lo, assim como a lenha que adquiriu. Dario acha o cavalo bonito, pergunta o nome. "Tem nome não". "E você, como se chama?" "Moço, nessa história os nomes não são importantes". Mais um zureta, pensa Dario. E chegam em casa. Num toque final de bizarrice, o menino instrui-o para só queimar a lenha se estiver em paz com ele mesmo. "Porque, tem alguma droga na lenha?" "Se o sinhô quiser chamar minha lenha de droga, pode chamar. Mas já te disse que nomes são supérfluos". Dario convida-o para entrar, está feliz, quer comemorar, mas o menino vai embora sem responder. Ângela assiste a cena de longe. O namorado comenta com ela o quanto o garoto é esquisito. "Mas que garoto? Aquele é um velho. Dario, cê bebeu?" Ele apenas olha pra ela e em seguida em volta. Tem uma sensação bem nítida de deslocamento, strange man in a strange land. Ele quer acender o fogo o quanto antes, ela pondera sobre o aviso do cara. Dario não sabe o que fazer, deita no sofá e fica abraçado com Ângela. Aquilo já não o faz se sentir tão fora do lugar.
Um comentário:
Pois é.
Você me surpreendeu de novo.
Três enredos!
Adorava esses livros quando era novinha (se bobear, gosto até hoje). Ficava feito uma tonta, lendo todos os finais...
Opção 1
O clima da história me lembrou Robin Hood.
Gostei do suspense. Mas acho que ficou meio deslocado no tempo e no espaço, em relação às partes I e II.
Opção 2
Essa é, sem dúvida, a opção que mais se parece com você.
O álbum, a camiseta, o canivete s.u.i.ç.o, e... o caderno de anotações (!!!).
Gostei muito. Vi você em cada pedacinho.
Opção 3
Essa é a mais parecida comigo.
"Nomes não são importantes"
"Queimar a lenha quando estiver em paz"
"Dario, cê bebeu?"
E, confesso, adorei o final da opção 3.
Aconchego sempre é *muito* bom.
Esperando a continuação.
Beijo.
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