quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Em busca do Velho da Carrocinha de Lenha - Capítulo 4 (cont.)

Recapitulando: Dario enfim encontra o cara na carroça com lenha, vai atrás dele e depara-se com um tipo de ritual primitivo, pessoas nuas dançando em volta do fogo. Recebe um forte golpe na nuca e cai desmaiado. Nesse momento o leitor é apresentado a duas escolhas: a cerimônia é um rito esotérico pancadão (1a), ou trata-se de um julgamento pouco convencional (1b). Aqui vão os desdobramentos da segunda opção. O autor recomenda a leitura dos capítulos anteriores antes de prosseguir aqui.

Dario acorda do nocaute confuso. Não sente dor onde foi golpeado. Está sentado em um tipo de poltrona, tenta se mexer e percebe, estupefato, que seus músculos simplesmente não respondem a seus comandos, como se estivesse preso naquele assento. Olha em volta, num horror crescente, mas tudo são trevas, exceto por um poderoso holofote frontal que o impede que veja qualquer coisa, no melhor estilo julgamento do herói. Algemas o prendem a uma cadeira. Seu pavor aumenta e irracionalmente, ele grita: "Fidélio! A senha é Fidélio!" Para sua estupefação ouve risadas maldisfarçadas que vêm detrás da luz ofuscante. Em seguida, uma voz feminina bem sexy destaca-se entre os risos. Ela ri, mas de modo amargo:
"Pobre Dario. Mesmo na pior circunstância possível, cativo de pessoas que já o atacaram, talvez mais perto do que nunca da morte, ainda se agarra a seu mundo fantasioso. A vida não é filme, querido. A realidade não é a reprise de alguma porcaria que goste, onde todos se comportam previsivelmente de modo que você seja, senão o herói, pelo menos o protagonista. Lembra-se da sonda? Você tinha ido ver um filme onde um tipo de nave é miniaturizada e injetada em um corpo humano. Como aquilo atiçou sua imaginação... uma sonda pilotada por você, que exploraria o mundo a seu redor ao mesmo tempo em que faria jornadas de autoconhecimento, pois o movimento exterior é análogo ao movimento interior. Você escreveu essa frase em seu diário, um jovem de 13 anos cheio de idealismo, apesar da idade conturbada, o desejo de viver lutando contra o medo e a apatia. Dario, o que você fez com a sonda? Para onde você a levou? Não percebe que nos últimos anos tudo que tem feito é dar voltas e voltas em torno de si mesmo? Sua Enterprise, em vez de explorar o desconhecido, travar contato com ele até incorporá-lo, orbita em torno de uma lua desabitada, escura e fria. E o tempo é implacável, a cada segundo você perde uma oportunidade de mudar e crescer."

(no credits)

De algum lugar mais afastado ouve-se um som estranho, indefinível. Um ruído constante, mas discreto. Dario não sabe o que dizer. Quem são aquelas pessoas? Como saberiam da história da sonda, ele nunca tinha comentado aquilo com ninguém. "Eu... eu vou chamar a polícia se não me soltarem agora!" A voz ri de novo:

"Viu as pessoas dançando nuas em torno da fogueira? Em algum ponto de suas vidas elas ouviram o chamado e o atenderam. E se prepararam para este dia. Você também foi convocado. Lembra-se daquele sonho em que você e seu pai voavam como pássaros e ele te mostrou a Praça da Liberdade? Houve vários outros sinais, mas você nunca se permitiu compreender. Precisamos da ajuda de nosso agente para atraí-lo até aqui. Isso chamou nossa atenção. Seu incrível medo de viver a vida, correr riscos, um embotamento dos sentidos, um senso de preservação contraditoriamente auto-destrutivo. Um exemplar-símbolo da Humanidade."

"Você pertence a uma espécie tão confusa e desamparada. Sequer sabem de onde vêm, muito menos para onde vão. Descendem mesmo dos símios? Ou seriam híbridos, fruto da miscigenação de uma raça do além com os símios? Ou seriam mesmo, como muitos de vocês gostam de pensar, filhos de Deus, criados à sua imagem? Entendemos sua angústia, a necessidade de preencherem seu vazio espiritual com entidades com quem se identifiquem. Mas o que nos deixa maravilhados é o fato de esse desamparo não tê-los impedido de chegar tão longe sem se auto-aniquilarem. Dario, você e seus pares são capazes de fazerem coisas tão belas e ao mesmo tempo cometem atos tão repugnantes... quem são vocês, afinal? Que direção a sonda da Raça Humana segue?"

Philip Straub (Cityscape1)

Ele nota que o grupo detrás do holofote começa a andar na direção do ruído. De repente, um conjunto de luzes acende a 4 metros de altura.

"Dario, o que disser agora vai decidir seu futuro. Uma pergunta banal, mas a única realmente relevante. Qual é o sentido da Vida?"

Dario pode dizer: "Quem busca o sentido da Vida na verdade quer sentir a experiência de estar vivo em sua plenitude." (Joseph Campbell) Ou "A Vida é como plantar uma árvore cuja sombra você nunca vai aproveitar". (Nelson Henderson) O leitor também pode dar um palpite, a vida de nosso herói está por um fio...

6 comentários:

Anônimo disse...

ah, eu to nessa geração - mas não precisa ter pena, hahaha.
meu tempo de rubem fonseca já deu...
um abraço

Anônimo disse...

não me senti ofendido com a coisa da geração - até porque não me importa muito, a gente sabe que uma geração é apenas um grupo de pessoas.
obrigado pelo elogio, mas também não acho nada demais ter lido o que li, rubem fonseca quase todo incluído nas minhas leituras. fonseca só não me entuasiasma mais, nada além disso. já gostei muito mais dele.
queria ler proust e kurt também.
abraço

Lidiane disse...

Bem melhor agora.
Gostei do final, das citações e da pergunta que fez.
Prefiro não dar (mais) palpite. ;)

Gosto das reflexões que você tem feito através do Dario, sabe?

Um beijinho.

Anônimo disse...

Bruno,

tem umas passagens bem interessantes na sua história. Esse lance de ficar escolhendo os finais etc me lembrou uma série de livros chamada "enrola e desenrola" que eu e meu irmão liamos na infância, nas longas viagens de carro que fazíamos em família.

Há toques sutis de humor e reflexões inteligentes.

Confesso que com tantos rumos diferentes a seguir fiquei meio confusa.

Quinta vi o livro Guia do Mochileiro das Galáxias jogado "ali" e resolvi ler, bem despretensiosamente. Me prendeu tanto que foi difícil ir dormir. Terminei de ler agora a pouco. Fiquei fazendo uma hora pra retomá-lo de onde havia parado (faltavam poucas páginas) porque não queria que o livro terminasse tão cedo. Sempre que eu gosto de um livro faço isso, fico adiando o final para não perdê-lo. Dificilmente, por mais que goste de um, não tenho paciência de ler novamente, a não ser depois de um longo tempo.

O jeito do Douglas Adams de escrever me lembrou o seu. Pitadas de sarcasmo, metáforas, viradas súbitas na história etc. Uma das coisas que me fazem rir no Adams são os seus adjetivos pitorescos ou incomuns ou aparentemente totalmente fora de lugar.

Sinceramente acho que deveria publicar. Sem querer puxar saco, mas você é um escritor nato, deveria tentar investir nisso seriamente. Um grande abraço.

Anônimo disse...

Bom dia.
:P

Voltei achando que ia ter capítulo novo.
:(
Mas pelo menos, tem foto nova.
Gostei demais da primeira, a que não tem crédito. Se fosse uma pintura, poderia ser de Dali...

Conhece Chema Madoz, hum? Tem uma, de um mapa, que é a sua cara.

Beijinho em você e nos bichinhos.

P.S. Me divertindo lendo os 47 contos.

Anônimo disse...

47 contos??? Que inveja! Tou lançando um troço com 23, só. Menos da metade!!!
Eu mato! Eu mato!!!
Mas, enfim, 23 é um número mágico, né? Sobre o Adam Douglas, já procurou no PDL, Débora? Tem os livros da série, a maioria em português.
Se não me engano, é
http://portaldetonando.com.br
Tem que se inscrever, mas o processo é relativamente indolor. E vale a pena. Tem milhões de livros por lá.
Abração.