quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Distopia - Parte 1


Distopia: antônimo de utopia; vem do sufixo grego "dys"("doente" ou "anormal"), mais "topos" ("lugar"). Termo usado para descrever um modo de controlar a sociedade de forma totalitarista e autoritária. Do ponto de vista de vários escritores de sci-fi e outros futurólogos, essas sociedades à primeira vista perfeitas, não são imunes à corrupção e seus ideais de igualitarismo mostram-se falhos, e o que é pior, o preço que se paga para viver nesse regime é alto demais. Desse modo, os avanços tecnológicos que em tese propiciariam um nível de vida mais elevado para todos, tornam-se ferramentas de manutenção do status quo.

Ao contrário das utopias, que geralmente mostram pouca ou nenhuma conexão com nossa sociedade, as distopias funcionam como advertências, exagerando convenções e políticas do nosso tempo e o que podem acarretar. Podemos encontrar traços em comum em livros e filmes distópicos:

-Enfraquecimento ou extinção dos Estados nacionais da maneira como os conhecemos.
-São as corporações que detêm o poder, fazem leis e controlam a vida de cada indivíduo com o intuito de anular sua subjetividade, em troca eliminam a pobreza, as doenças, conflitos ou mesmo a infelicidade.
-Não há mobilidade social, nem democracia, a sociedade é dividida em castas, como em Admirável Mundo Novo, onde antes de nascer o cidadão já ganha um lugar na pirâmide social.
-Há grupos e/ou pessoas que se rebelam contra o sistema e utilizam a mesma tecnologia empregada pelo establishment para combatê-lo.


Livros distópicos mostram como nossos dilemas morais do presente vão afetar o futuro. Têm uma visão crítica do poder e às vezes representam o povo como uma massa uniforme, apática e submissa. O tom predominante é pessimista, aqueles que apresentam soluções simples, como a população se insurgindo contra os poderosos e derrotando-os, não podem ser considerados distopias. Alguns exemplos dessas obras:

Neuromancer, de William Gibson: publicado em 1986, primeiro de uma trilogia, um livro revolucionário que apresentou conceitos inimagináveis nessa época, como: inteligências artificiais avançadas, criação de um cyberespaço (uma internet com todos seus potenciais) quase palpável, megacorporações substituindo os Estados, hackers, engenharia genética etc. Gibson inspirou dezenas de obras e abordou a "desumanização da Humanidade", através de tecnologias baratas e onipresentes. Um futuro onde o livre mercado e a violência são os únicos recursos para as pessoas se protegerem e os únicos valores de fato (será que isso já não está acontecendo?). Conta a história de Case, um ex hacker, que é contratado por uma misteriosa entidade para cometer um crime aparentemente impossível de ser executado.

1984, de George Orwell: publicado em 1948. Uma sátira a uma sociedade onde o Estado totalitário controla a vida de todos através do Big Brother, o olho que tudo vê, na verdade uma representação de Stálin. Narra a história de Winston, funcionário do Ministério da Verdade (?!) e sua transição da indiferença pelo regime opressor à revolta, quando se apaixona por Júlia, já que mesmo sentimentos amorosos são proibidos. Em meio à narrativa há uma inegável atmosfera de desilusão quanto ao futuro da Humanidade. O crash da bolsa de Nova Iorque havia mostrado a crueldade do sistema capitalista, e o socialismo, que parecia ser o regime que finalmente traria justiça social, revelava-se apenas como uma forma açucarada de dominação das massas em prol de um pequeno grupo. Sem falar que o mundo acabava de sair da Segunda Guerra, prova definitiva do egoísmo, da intolerância, da incapacidade de aprendermos com nossos erros. Também há lugar para debates filosóficos, como o que é a verdade, afinal? Não vou contar mais senão perde a graça.

1984, versão cinema


Admirável Mundo Novo
, de Aldous Huxley, o avô das distopias, escrito em 1932, que narra um hipotético futuro onde as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas a viverem em harmonia com as leis e regras sociais, dentro de um sistema organizado por castas. A sociedade desse "futuro" criado por Huxley não possui a ética religiosa e valores morais que regem a sociedade atual. As crianças têm educação sexual desde os mais tenros anos da vida. O conceito de família também não existe.
O protagonista Bernard Marx sente-se deslocado porque é fisicamente diferente dos membros de sua casta. Num reduto onde vivem pessoas à maneira do passado - algo como nossas reservas indígenas - um modo de vida "bárbaro" que corresponderia ao Século XX, Marx encontra uma mulher e seu filho, John, e vê neles uma oportunidade de ser mais bem aceito ao mostrar John como um típico selvagem, como se o garoto fosse um bicho raro. É nesse confronto entre a "Civilização" e o "barbarismo" que interessantes questões são levantadas. As pessoas começam a se perguntar se vale a pena abrir mão de sua individualidade e capacidade de expressar o amor por uma vida estável e "feliz". Este livro pode render muito mais reflexões, voltarei a ele.

Laranja Mecânica, de Anthony Burgess. Um livro extremamente criativo, mas também muito mal interpretado, sobretudo após sua adaptação para o cinema por Stanley Kubrick em 1971. O filme, um caso raro de transposição da literatura para o cinema de forma competente, deveria ser um libelo anti-violência e acabou gerando uma onda de atos violentos na Inglaterra, o que resultou em sua proibição. Lançado no auge da ditadura militar brasileira, foi mostrado aqui todo mutilado e com umas hilárias bolinhas cobrindo os genitais dos personagens. Burgess chegou ao ponto de criar uma nova língua para o livro, o nadsat. O título vem da expressão "as queer as a clockwork orange" (tão estranho quanto uma laranja mecânica"). Essa laranja seria o indivíduo que responde automaticamente ao que lhe é dito, sem questionar. O poder vigente do livro julga que as pessoas podem ser programadas como máquinas e é o que tentam fazer com o protagonista, um jovem pirado amante da nona sinfonia de Beethoven e de espancamentos covardes. A piscadinha de olho no final é antológica e foi copiada até pelos Simpsons.

Acho que a pergunta que os autores distópicos fazem é: como fazer com que o progresso desenfreado e o advento de novas tecnologias sejam voltados primordialmente para as pessoas e o meio ambiente, encerrando esse círculo vicioso que beneficia uma parcela cada vez mais ínfima da população? Como naquela frase: "crie corvos e eles lhe arrancarão os olhos". Estamos ficando menos humanos? Mais do que isso, suscitam questões como: é legítimo tomar posse da vida das pessoas a fim de prover suas necessidades básicas? E essas necessidades se limitariam a casa, trabalho e comida?

Há ainda muita coisa para se falar sobre o tema, filmes como Brazil, Matrix, A Ilha (apesar de ser péssimo), V de Vingança, Robocop, Fahrenheit 451 (também livro), Metropolis, Gattaca, Minority Report, Show de Truman, Aeon Flux, Alphaville etc. Continuo depois, preciso ler mais e rever alguns desses filmes, pois nem eu mesmo sei qual o propósito desse post.

3 comentários:

Anônimo disse...

1984 é um dos livros da minha vida.
O filme idem.
Lembro que fazia faculdade de história (aposto que você não sabia disso) quando um professor nos falou do livro e passou o filme em aula.
Até hoje, Rumble, lembro da "polícia de pensamento". Marcou.
Acho engraçado as pessoas falando de big brother sem saber o porquê do nome.

Admirável mundo novo, li um pouco depois e eu, ainda acho que a sociedade toma "soma".
Todos anestesiados e felizes.
Felicidade de plástico.

Não li Laranja Mecânica, mas o filme... nem preciso comentar.
E, como sempre, foi entendido errado, como tantos outros.

Neuromancer não li, acredita?
Pois é!
:(

Continue com esse assunto.
Estou adorando.

Beijinhos em você e nos 10.

Lidiane disse...

Beijo de boa noite, tá?
E se não conseguir descompactar, me grite.

Anônimo disse...

Admirável mundo novo é inesquecivel