terça-feira, 8 de agosto de 2006

Leiam

Acho que já faz um bom tempo desde que não escrevo um post estilo "redação" ou "ensaio" para os metidos a bacana. Um texto de Alcione Araújo na Folha de uns dias atrás foi como uma agulha que me espetou, como que dizendo: isso é uma preciosidade, um relatório de um cara que enxerga sobre uma terra de cegos, você tem que passar isso adiante.
Eu podia simplesmente copiar o texto, mas algumas experiências individuais me levaram a repassar as elucubrações de Araújo com algumas observações minhas. Vamos começar com algumas estatísticas: são 186 milhões de brasileiros dos quais nada menos que 55 estão relacionados de alguma forma à educação - são professores e estudantes de todos os níveis.

Alguém discorda que educação e cultura deviam andar de braços dados, que a existência de um depende do outro? Examinando os números da cultura começamos a vislumbrar o abismo que afasta esses dois universos no Brasil. A tiragem média de um livro é de 3.000 exemplares, a ocupação média das salas de teatro é de 18%, em matéria de música, as gravadoras têm números vexatórios - também, cobrando em dólar quem ganha em reais... - e a média de expectadores nos cinemas gira em torno de 250.000 - em 2006 são 180.000 até agora.
Nas sábias palavras do autor:
"O país vive esquizofrênica fratura: uma educação sem cultura e uma criação artística sem público. A economia pode até crescer, mas cresce sem alma".

Ia continuar com minhas próprias palavras, mas é claro que Araújo diz a mesma coisa de forma bem mais elaborada e sucinta:
"Criação da subjetividade, de percepção subjetiva, as artes interagem com as demais metáforas - filosofia, antropologia, sociologia etc. - criadas pela sensibilidade e razão humanas para se entender, entender o mundo e se entender no mundo".
Exato. Contudo, o que se vê na realidade? Tive colegas na Faculdade de Comunicação ( o negrito é para destacar que serão nossos futuros jornalistas, publicitários, RPs...) que nunca tinham lido um livro inteiro na vida. No vestibular usaram aqueles resumos infames das obras que iam cair na prova. Minha ex-mulher era professora de Direito, ensinava Sociologia, pro primeiro ou segundo período e Teoria do Processo mais pro final do curso. Os alunos achavam Sociologia pura perda de tempo, pois aparentemente o que se ensinava nessa disciplina não ia ajudá-los a encher o bolso de dinheiro como advogados. E falavam com ela coisas como: "não vejo a hora de ter aula de novo com você, de uma matéria que não é esse lixo inútil", achando-se muito espertos...Vivemos uma ditadura do pragmatismo, ninguém percebe - nem parece ter interesse em perceber - como tudo está correlacionado. Acho que quem não enxerga isso está condenado a repetir a história, incorrer nos mesmos erros - mesmo porque não sabe quais são eles.

Caramba, parei para assistir o Jornal da Globo: 40 ônibus incendiados só hoje em SP. O que isso tem a ver com o post? Bem, na nossa sociedade a educação não passa de uma ferramenta para se conseguir um emprego e comprar um Civic. Esquece-se que sua função também é de ampliar os horizontes. Mais uma vez, recorro ao autor:
"Nessa moldura, a missão da Universidade - a universalização do saber pelo tripé da formação do profissional, do cidadão e do homem - torna-se uma trajetória de adestramento para a produção".
É a cultura que forja o processo civilizatório, caminho que o Brasil tenta seguir, mas marcha erraticamente, tropeça, se perde. Sem uma identidade cultural própria, estamos fadados a ser uma eterna ex-colônia, que prima pela exclusão social e elitização de uma cultura, que, no fundo, não é nossa. Pode-se argumentar que temos uma arte popular, que prescinde da educação para existir, mas isso não é nenhum demérito. Mas há também a arte tradicional, aquela que dirige-se ao espírito. Antes da Ditadura, tentou-se estabelecer um diálogo entre elas, mas o projeto foi abortado. No imenso espaço entre essas duas formas de manifestação cultural, chega a poderosa Rede Globo, que passa a ditar a moda, os valores, comportamentos. Cultura industrial, que tenta se apossar do artista, mas acaba tornando-o mais um produto, pasteurizado, edulcorado. Quem fica à margem do esquema global, praticamente não tem voz, sua obra não chega ao público, o processo humanitário da arte se perde, o repertório da sociedade se empobrece.

Sem platéia não há dinheiro, sem dinheiro não há produção. Recorre-se então ao Estado e fica-se refém de um sistema pré-estabelecido, inibindo a ousadia. O artista tem então que nivelar-se ao nível do público, pobremente educado, para que tenha uma platéia. Educação não é só técnica, arte não é só um adorno. Vamos concluir com Araújo:
"Há uma dimensão humana, que, sem educação e cultura, nada agrega como experiência coletiva, nem alcança a plenitude como experiência individual, capaz de discernir e ser livre para escolher. E, sem isso, não podemos dizer que somos realmente humanos"

2 comentários:

Sun disse...

Bruno, perfeito o texto! Fico triste com o Brasil qdo penso nisso e tenho mais raiva ainda da Globo, que ao invés de mudar esse quadro, o intensifica.

Anônimo disse...

Simplesmente, entro em pânico quando percebo que meus alunos não lêem. E... estão na faculdade.
Na minha época, se um professor sugeria (eu disse SUGERIA) um livro, eu ia atrás alucinada, achando que se não lesse, ia ser a criatura mais ignorante daquela sala e da Terra.
Tudo bem que isso é neurose, mas eles não lêem nadinha.
Me frustra e me deixa preocupada.

O engraçado é que hoje fiz uma listinha de livros *obrigátórios* pra eles.
Vamos ver no que dá...