Esqueci de mencionar algumas coisas no último post, a começar pelo título: trata-se de um livro escrito pelo General Roméo Dallaire que acabou transformando-se em um documentário em 2004; esta foi uma das fontes que usei para escrever o artigo, junto com verbetes da wikipedia. Não assisti o filme Hotel Rwanda, mas isso não me impede de recomendá-lo: pelo que soube, esse longa manteve-se fiel aos fatos, sem resvalar em sentimentalismos. Creio que o personagem de Nick Nolte seja Dallaire no filme. Vi o documentário na tv a cabo, HBO eu acho, provavelmente não está disponível em DVD, então veja o filme. Vi também Abril Sangrento, bem intencionado, mas como filme, apenas mediano.
Respondendo às perguntas:
- Dallaire foi enviado de volta para seu país, o Canadá, pouco depois que a guerrilha tutsi ganhou controle integral de Rwanda, finalmente acabando com o genocídio. Em casa, caiu em profunda depressão, sufocado por sentimentos de culpa. Em 1996, recebeu dos EUA uma Comenda da Legião do Mérito, a mais alta condecoração para estrangeiros. Uma forma de pedido de desculpas pelo fato de terem dado costas a ele quando mais precisou. Sofrendo de stress pós-traumático, foi aposentado pelo exército canadense em 2000. Na mesma época atingiu o fundo do poço ao ser encontrado desmaiado em um parque: havia tomado uma overdose de anti-depressivos e foi internado com sérios sintomas de intoxicação. A história repercutiu, incentivando o debate sobre o excesso de responsabilidades que oficiais da ONU têm que suportar. Após esse episódio, começou a escrever seu livro e a fazer palestras, confessando que chegara a contemplar o suicídio como única solução para o inferno interior em que vivia. Em uma entrevista concedida em 2003 para o documentário Ghosts of Rwanda ele afirma:
"Rwanda nunca vai me deixar. Está em meus poros, minha alma está naquelas montanhas, meu espírito está com os espíritos daqueles que foram chacinados..."
Ao longo dos anos seu trabalho foi sendo reconhecido, ganhando inúmeras honrarias. Não nos esqueçamos que ele chegou a ser duramente criticado por permitir que dez soldados belgas fossem mortos, como se eles fossem mais importantes que os 20.000 ruandeses que salvou.
Dallaire é casado, tem 3 filhos e mora em Quebéc, Canadá.
- O fim da matança de tutsis apenas iniciou outra tragédia, o auto-exílio de 2 milhões de hutus, que fugiram de Rwanda por temerem retaliações, pois boa parte deles participou ativamente da matança. Milhares morreram em epidemias de disenteria e cólera. Eles eram tantos que desestabilizaram o equilíbrio de forças na região, indiretamente causando a Guerra do Congo.
- Eventualmente os refugiados retornaram ao país, possibilitando o início do julgamento dos responsáveis pela barbárie que reinou em Rwanda por 100 dias em 94. Dois tribunais foram instaurados, o ruandês lidaria com os assassinos que estavam "seguindo ordens", o da ONU julgaria aqueles que "deram as ordens", como membros do governo e oficiais do exército. Quanto mais os julgamentos se aprofundavam, mais culpados surgiam. O número de condenados, contudo, é irrisório, a maioria dos assassinos vai ficar impune. Mesmo o líder da guerrilha tutsi admitiu que poderia ter agido no início, mas preferiu deixar que mais tutsis fossem mortos a fim de justificar sua conquista do governo ruandês. Destacam-se a participação da França, que treinou, municiou e depois protegeu as milícias hutus (Interahamwe) e da Igreja Católica - Rwanda é o país mais católico do continente - à vezes omissa, noutras francamente a favor do genocídio. Hoje o país permanece com cerca de metade da população faminta e com uma economia baseada quase que exclusivamente no turismo e exportação de café.
- Nesse momento, sei de ao menos um lugar na África onde um genocídio está em curso: milícias muçulmanas caçam católicos como se fossem animais no sul do Sudão.
Poderia estender esse post, relatando a apatia de cada país ou organização que poderia ter evitado o genocídio e suas atitudes desastradas para não parecerem tão "maus" perante a opinião pública. Mas posso resumir que, de forma geral, todos foram hipócritas e insensíveis ao extremo. Muito sério, muito sintomático, muito triste. O que houve em Rwanda é uma prova da "desumanização" da Humanidade, o triunfo da indiferença sobre a solidariedade, da frieza dos objetos inanimados sobre o calor humano.
2 comentários:
Hum.. pois então veja o filme! Como eu disse, gostei mto. Alugue agora senão depois vc se esquece. E lembre-se de ver nos "extras" a entrevista com um personagem do filme que ainda está vivo. É emocionante!
Somos tão primitivos, não somos?
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