quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Herói


A Família Soprano, além de ter sido uma das mais premiadas séries da história da tv, também notabilizou-se por retratar com muita humanidade a classe dos mafiosos. Personagens complexos, contraditórios, com sentimentos de culpa e fraqueza, apesar do cotidiano violento. Tony Soprano, o chefão de quem esperamos ter total desprezo pela vida humana, nervos de aço, brutalidade e pouco remorso, na verdade é um sujeito atormentado sob cuidados psiquiátricos. Tony sente que é um espécimen em extinção, dividido entre os papéis de pai, marido e gângster. Os códigos de conduta de sua organização mafiosa estão ficando obsoletos, não há mais respeito. Cada vez mais descrente, ele constata, atônito, que o arcabouço de valores da sociedade"normal", das pessoas que ganham a vida honestamente, também sofreu a mesma degeneração. Com um ar de desalento ele pergunta à sua psiquiatra o que aconteceu com aqueles caras tipo Gary Cooper, fortes, silenciosos, os heróis de uma época quando ainda havia ingenuidade e glamour suficientes para acreditarmos em heróis.

O crítico Antônio Cândido relata em uma entrevista que as gerações que o sucederam (ele é contemporâneo dos Modernistas de 22) carecem cada vez mais de grandes homens. Já houve épocas em que milhões morriam por um ideal. Os princípios eram maiores que as pessoas, românticos lutavam por utopias, a crença de que seus atos poderiam mudar não só você mesmo, mas exercer efeitos em grande escala. Você podia ser comunista, hippie, fascista, mas fazia parte de um grupo com o qual partilhava idéias, padrões de comportamento, sonhos, paixões.


Isso me remete a um dos primeiros posts que escrevi, citações em inglês de diálogos do filme Waking Life:

Temo que estejamos perdendo as verdadeiras virtudes de viver apaixonadamente, no sentido de ser responsável por quem você é, a habilidade de fazer algo de si mesmo e se sentir bem sobre a vida.


O que aconteceu com os modelos de comportamento? Examinadas pelas lentes papparazzi do pós-modernismo, não há personalidade que resista a um exame mais cuidadoso. Somos todos fracos demais, demasiado vítimas de nós mesmos. Reduzidos ao status de consumidores do mundo livre.

Assisti 3 filmes relativamente novos e cada um à sua maneira se relaciona com esse desencanto. Em Frost/Nixon temos um apresentador de tv pioneiro no fato de ser famoso apesar de não ter nenhum talento especial. Hoje há inúmeras pessoas que se tornaram celebridades porque aparecem na mídia, e uma boa aparência basta. O filme mostra um embate entre esse homem vazio e vaidoso e um ex-presidente cínico e imoral, mas incapaz de esconder a vergonha que sente por ter sido desmascarado. Prenúncio de tempos mais escandalosos, na época os políticos ainda se envergonhavam e o anônimo rosto bonito da tv ainda tinha ambições intelectuais concretas.

Michael Douglas deixa a barba crescer em O Rei da California. Convoca a filha para ajudá-lo a encontrar nos dias de hoje um tesouro enterrado há 400 anos numa terra apinhada de cadeias de lanchonete e shopping centers. Ele é louco, é claro. Mas o grande barato do filme é que a filha resolve acreditar em sua história, e nessa busca escapam para uma realidade onde podem transgredir sua sina decadente e encontrarem uma conexão através do sonho. Desse modo, são heróis. Perto do amor mútuo que resgatam, qualquer tesouro vale pouco.

No entanto, o que realmente me fascinou foi Conduta de Risco. Porque é uma pequena obra prima sobre transformação pessoal, virtude, amor à vida. Esqueça que é com George Clooney e preste atenção em seu personagem, o advogado Michael Clayton, um verdadeiro herói contemporâneo que tem conflitos, muitos defeitos, mas que apesar disso tem o a nobreza de contrariar o sistema e agir de acordo com sua consciência na decisão mais importante de sua carreira. Parece lugar-comum? A sinceridade que consegue imprimir dá a seu personagem dimensões humanas raras nos heróis de cinema. Sobretudo nos atuais. Ele me relembra outro trecho de Waking Life:

A
mensagem aqui é que nunca devemos nos eximir de culpa ou se ver como vítima de várias forças. Quem somos é sempre uma decisão nossa.

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