terça-feira, 11 de agosto de 2009

Manuscrito encontrado sob um colchão de Hospital Psiquiátrico - Três

Terceiro capítulo, comece no Um. Ou não.

A linha de raciocínio mais uma vez é interrompida. Stan, o dj, entra no quarto pedindo biscoito e relata uma fuga dos internos. O homem fica inquieto, quer saber quem fugiu, pois teme que o amigo Celinho esteja entre eles. Toma café com leite, fuma um carlton, vai até a "times square" (o corredor anexo à enfermaria, ganhou esse nome porque ali o tempo nunca parecia passar). Do seu lado aparece um interno visivelmente noiado. O homem volta pro quarto e liga a tv: comédia romântica com Ben Stiller. Porcaria. O personagem de nome Sr. Pfeffer, numa dessas raríssimas falas memoráveis nos filmes atuais, diz que a vida não é sobre o que foi ou deixou de ser feito, se você já foi grande ou tem planos mirabolantes; o que importa é a própria jornada, pelo amor de Deus! E que se algo bacana te acontecer no caminho, por favor esteja presente e desfrute o momento. Enquanto isso, não leve as coisas tão a sério, procure se divertir. Ele diz isso tudo pro cara que é um ator fracassado. Qual o nome dele mesmo? Ah, sim, Philip Seymour Hoffman, mostram os créditos. Grande ator.

domingo, 9 de agosto de 2009

Manuscrito encontrado sob um colchão de Hospital Psiquiátrico - Dois

(continuação; leia antes a parte Um)

Primeiro foi o cãozinho. Uma dessas raças fofinhas. Com certeza já estava doente, talvez fosse geneticamente defeituoso e o Josimar deixou com o homem porque não sabia o que fazer com o bicho. Afinal, Josimar sabia que ele e a mulher não permitiriam que atravessasse a cidade de moto na noite gelada com aquela criaturinha frágil. Caíram feito patos. O cachorrinho branco, batizado Pisquilo, morreu menos de um dia depois. O homem ainda gastou R$ 170,00 com veterinário, o que de nada adiantou. Viu o exato instante em que o sopro de vida saiu do bichinho e não voltou mais. Ficou chocado e deprimido. Prometeu a si mesmo nunca mais presenciar aquilo. O testemunho da visita do grandalhão de túnica negra, capuz e foice. The grim reaper. O Ceifeiro.

Pois poucas semanas depois o Ceifeiro voltaria a visitá-lo para roubar o fôlego de mais um vivente muito próximo dele: sua companheira, sua mulher.


9/6/09

E foi na reunião dos Narcóticos Anônimos, ali mesmo no hospital.

"Nunca mais vou te deixar pois agora sou uma canção". Música de China. Linda. É a Isabel. "Bebel, te amo muito, não importa onde você estiver. Hoje meus olhos ficaram marejados quando falei de ti pro psicólogo". "Você chorou na morte dela ou desde então?", pergunta o psicólogo. "Deixe-se acreditar, esse é o Reino da Alegria, não tema", diz o estranho clipe do Mombojó.

(continua)

sábado, 8 de agosto de 2009

Manuscrito encontrado sob um colchão de Hospital Psiquiátrico - Um

Uns meses atrás li uma matéria nalgum lugar sobre uma revista americana cujo conteúdo é composto de notas anônimas encontradas ao acaso: na rua, em latas de lixo, esquecidas em salas de espera de um dentista etc. Desde listas de compras até poesias. Achei supimpa, fiquei doido pra ler a publicação.

Mas como o destino, esse gozador, sempre nos apronta uma, nunca tive a oportunidade de ler a tal revista, mas chegou às minhas mãos uma fascinante narrativa achada randomicamente, - à maneira de Narrativa de A. G. Pym, do Edgar Allan Poe - através da enfermeira da minha avó. Ela tem outro emprego numa instituição psiquiátrica e há poucos dias, ao trocar os lençóis de um paciente recém-saído, descobriu uma porção de folhas de papel higiênico preenchidas com uma escrita elegante e sinuosa. Por algum motivo guardou o manuscrito e depois me mostrou. Formidável.
Veleiros - Artur Bispo do Rosário

8/6/09

E olhou para o céu de novo. Não havia muito a se fazer ali a não ser zanzar pelos corredores, num tipo de corrida com obstáculos, estes sendo os habituais pedidores do cigarro, os loucos 22, médicos que pareciam estar em suas próprias corridas com obstáculos. Ou, enfim, espiar as nuvens, quando possível, o que nem sempre era. Havia contingências, como céus de Brigadeiro e horários específicos para permanecerem no pátio, quando, aí sim, podia refletir sobre a fugacidade das nuvens de inverno, suas tonalidades que não encontravam simulacros. Etéreas, como o tal corpo que os espíritas dizem que possuímos. Sopro de vida. É simples assim: ou ele está presente em você ou não. Naqueles últimos 30 dias ele havia presenciado duas criaturas perderem a vida ali, do seu lado.

(continua)