Como a História é irônica... lembrando àqueles que têm menos de 20 anos, ou mesmo os que têm mais, mas enchem a boca pra dizer que "detestam política" e acham que jornal é aquela coisa apresentada na tv por um casal até simpático, mas que só serve pra encher linguiça entre uma novela e outra: houve um tempo em que termos como "subversão" e "regime militar" estavam bem mais em voga. A ironia é que, embora fossem expressões antagônicas, quase excludentes - só apareciam na mesma frase se ela fosse tipo: "O regime militar tem lutado contra a subversão" ou vice-versa - uma se alimentava da outra. Os milicos só chegaram ao poder em 1964 com o apoio das classes mais abastadas, que julgavam que só eles poderiam anular a "ameaça vermelha", os comunas, os elementos subversivos, as libelus e os MR-8s. E a ditadura perdurou por 20 anos, ou 25, se levarmos em conta que só em 89 houve eleições diretas para presidente, quando esse povo que acha que jornal é sinônimo de casal Bonner, elegeu um safado com cara de galã de novela e nariz de freguês do Pablo Escobar.
Antes disso tivemos os tais "anos de chumbo", em que a censura imperava nos meios de comunicação. Ninguém podia falar mal do governo, mesmo uma rodinha na esquina de meia dúzia de gatos pingados podia ser considerada um ato subversivo e a polícia descia o cacete, isso se não te levavam pro Doi-Codi; aí, meu amigo, você no mínimo ganhava uma entrada grátis para a Torturolândia. Tempos de liberdade cerceada, senadores biônicos, muita repressão nas ruas, de terrorismo no Brasil(!). Quem não viveu nesse tempo dá pouco valor a direitos como: votar, pegar um megafone e xingar o presidente ou bloquear a rua num ato contra a violência policial. Aliás, se hoje coisas como mortes diárias de inocentes por "balas perdidas" e veículos policiais tipo "caveirão" viraram banalidades, pode creditar boa parte da culpa à ditadura. Ela foi a mãe do Bope, da Rota, enfim, do uso do aparato estatal para impor uma determinada ordem social na força bruta. Lembre-se que a polícia existe para proteger e servir à todos, sem distinção. Lembre-se também que muita gente morreu por uma causa hoje subvalorizada, subestimada ou mesmo, desconhecida. E que, de forma indireta, prestou um grande serviço à MPB.
Sim, pois a geração de artistas que debutou nos anos 60/70 tinha que carregar nas metáforas, hipérboles, metonímias e outras palavras acentuadas de significado ignoto para passar seu ponto de vista sem chamar a atenção dos censores. Eram os "subversivos". Então Chico cantava que apesar de você amanhã há de ser outro dia, sem especificar o você. Noutra queria nos dizer apenas que a coisa aqui tá preta. E em Bye-Bye Brasil, não dava pra falar muito, não. Espera passar o avião/ assim que o inverno passar/ eu acho que vou te buscar. Talvez uma menção velada aos exilados políticos no exterior. E aqui está a ironia: enquanto a ditadura vigorou, os medalhões da música popular gravaram seus melhores discos, a MPB teve sua Era de Ouro. Sei que a afirmação é polêmica, mas é minha opinião, dá licença? Não só os famigerados Chico, Caetano, Gil e Milton, mas também os pré-mauricinhos da jovem guarda - Roberto, Erasmo e outros esquecidos. Sem falar em Novos Baianos, Secos e Molhados, Sá, Rodrix e Guarabira, Jorge Ben, Tim Maia, o Clube da Esquina - casualmente, a poucos quarteirões donde escrevo - e o milenar, unânime Raul. A lista é extensa. E todos, com a provável exceção da jovem guarda, tidos pelas autoridades como subversivos, imorais, devassos, drogados etc.
Na imprensa havia o Pasquim, muita gente boa se esmerando nas figuras de linguagem para driblar a censura. E no finalzinho do regime veio o genial Planeta Diário, seguido pela Casseta Popular. Quando a Globo conseguiu cooptá-los pra tv, gradualmente sua graça, irreverência e escracho foram vampirizados. Hoje parecem uma cópia mais chula e menos criativa de si mesmos. Na literatura estrearam Ignácio de Loyola Brandão, Rubem Fonseca (a quem devo nome deste blog), Moacyr Scliar, Caio Fernando de Abreu, Wander Pirolli, Fausto Wolff, o poeta Chacal e mais um bando.
Voltando à música, a criatividade brasileira deu seu último suspiro com os roqueiros do meio dos 80. Mas Deus levou dois dos poucos poetas verdadeiros, Cazuza & Renato Russo, para nos deixar com Frejat & Dinho Ouro Preto. Sacanagem... E no meio do caminho entre Elis Regina e musas com nome de frutas havia umas mamonas assassinas.
E eu que queria escrever sobre um grafiteiro inglês que seria um dos poucos subversivos autênticos do Século XXI, fico por aqui porque o texto já está grande demais. Talvez esse discurso nostálgico e ranheta já virou até clichê, mas não posso deixar de perguntar ao leitor: quem substituiu esses caras todos?
3 comentários:
caro rumble,
Não se sinta sozinho com esta visão, da apatia que tomou conta de nosso povo. Vejo pessoas parecendo imbecis zumbis dominadas pelo bombardeio diário de raios catódicos. Se deixam enganar pela mascarada edição do jornal nacional, com sorrateiras intenções e acham que se informam do mundo que os cerca, consomem o que a globo vende no jô e no groisman e se acham cult, leem época e istoé pra falar à mesa de um bar de temas cretinamente sensacionalistas que só plantam o terror, como o fazem os filmes de ação barato de hollywood com conspirações criativamente doidivanas. Sei, sei que falei muito aqui da famigerada globo (tão odiada no exterior por seu caráter manipulador) que desde os tempos idos, por você brilhantemente lembrado no texto, firmou-se no mercado de mídia nacional, a custas de uma aliança com o regime militar, mas não resisti a oportunidade, desculpe. Às vezes me sinto um marginal acuado por uma ignorância reinante. O pior é ter que nos esconder pra não sermos linchados nesse tribunal inquisitório do não-conceito que atesta nossa loucura com vigorosa adesão. Sem mais deixo aqui uma sitação de Oscar Wilde: "Os loucos às vezes se curam,
os imbecis nunca."
Inté!
Talvez sejamos outsiders. O termo serve como tradução para "marginal": é charmoso e estamos bem acompanhados. Valeu pelo texto, me deixou orgulhoso.
oi!gostei imenso o vosso blogue!
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Fiquem bem
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