segunda-feira, 30 de junho de 2008

Fuck You





I. Fuck na História, fuck na TV
, fuck a política

É comum na língua inglesa o som das palavras se parecer com seu significado, como splash (molhar) ou crash (colidir). Fuck não é exatamente uma onomatopéia, mas o som da palavra - simples, conciso, direto, algo agressivo - combina com o que ela representa. É até gostoso de falar.

Pois eu e os norte-americanos temos uma tendência de voltar nossa atenção para coisas pouco importantes, como a questão do banimento de uma palavra do léxico de toda uma língua. Os defensores da idéia são os mesmos wasps, republicanos e intolerantes em geral. Mas sempre tem algum cabeludo pegando no pé deles, graças a Deus. Veja você: fizeram um documentário inteiramente dedicado a essa polêmica palavrinha de 4 letras. De onde ela veio? É lícito proferi-la na TV? E em casa? Se falar Deus castiga? (Êta falta do que fazer... protesta meu ombudsman.)

A origem do vocábulo é controversa. Se você já ouviu de algum sabichão que fuck é um acrônimo de "Fornication Under Consent of the King", uma plaquinha que as autoridades afixavam na porta da casa de algumas famílias na Inglaterra medieval, permitindo a prática do sexo, saiba que essa historinha foi inventada pela Playboy nos anos 70. Na verdade ninguém sabe de onde veio. Um cara até falou que foi a primeira palavra da língua ancestral que veio a se tornar o inglês. Pode até ser, visto que além de seu significado original, a palavra pode ser empregada de várias outras maneiras, como o nosso "que merda!" (what a fuck!) ou "cadê a porra da chave?" (where is the fucking key?).

Numa sociedade repressora e paranóica como a americana, criou-se uma grande celeuma em torno do emprego da palavra nos meios de comunicação de massa, polarizando opiniões e inflamando debates. Fuck é, talvez, o único palavrão "espacial", pois já foi à Lua através de um comentário do astronauta Buzz Aldrin e mesmo o grande guardião do conservadorismo americano, o Presidente Bush, já a proferiu na frente das câmeras. Ainda assim, fuck permanece um tabu nas TVs abertas do Tio Sam. Podia ser pior, não fosse a audácia de bravos desbocados, como o stand up comedian - humorista tipicamente americano que entretém a platéia sozinho em bares e night clubs - Lenny Bruce. Foi preso 5 vezes por falar fuck em seu show. Eram shows fechados, para maiores de 18. Se Lenny não tivesse existido, teria que ser inventado. Foi ele quem peitou os juízes e insistiu em seu direito de livre expressão garantido pela Constituição. Afinal, gritar fuck ou foda-se não deixa de ser um ato de libertação.

Foda-se: o definitivo caminho espiritual


Eram tempos conturbados. Soldados americanos voltando do Vietnã em body bags, ou crianças vietnamitas derretendo com napalm pareciam ser menos obscenos que dizer fuck.

Acho que aqueles que são contra o fuck estão confundindo lei com moralidade. Em 2003 Bono Vox falou fuck em seu discurso de agradecimento pelo globo de ouro, ao vivo, para milhões. A imprensa marrom de sempre viu aí uma polêmica rentável; e cobrou-se das autoridades uma explicação. Fala palavrão na tv e sai ileso? O governo argumentou que naquele caso a palavra não estava sendo usada num sentido obsceno. Mas uma tal comissão de pais em defesa da moral e bons costumes, ou algo assim - republicanos de ultra-direita - fez as autoridades voltarem atrás e condenarem publicamente a fala de de Bono, além de multá-lo. Enquanto isso, na Noruega, uma banda hardcore promove sessões de sexo explícito em seus concertos a fim de chamar a atenção para o aquecimento global. Faz sentido.

Será que as criancinhas, que se arrependem amargamente por terem dito fuck, temendo um castigo divino, teriam alguma razão? A pergunta soa tola e infantil, mas tem muito cristão fanático que acha que sim. Tavez porque Deus seja uma entidade assexuada, não há uma "Sra. Deus". Então se ele não fode, provavelmente não se sente à vontade com a palavra que ele é incapaz de praticar.

"Se o Presidente não pratica a "f-word" com a esposa, fatalmente o fará com o país."
Mel Brooks

O supra-sumo da hipocrisia ocorreu quando o vice do Bush, Dick Cheney, falou fuck yourself a um senador democrata, em pleno Congresso, os "paladinos da moral" não deram um pio.


II. Fuck na Família e o que há por trás disso

Uma das maiores catástrofes que pode ocorrer numa típica família ianque é o filho menor aprender a palavra fuck. Em sua visão paranóico-fatalista, seria o primeiro passo para uma vida de crime, vício, imoralidade, vergonha etc. Dizem que essas mesmas famílias não querem ouvir palavras de baixo calão nos filmes, mas uma baboseira intitulada "Meet the Fockers" fez um sucesso estrondoso.

Cartaz do doc

Tudo isso, ou quase tudo, vem de um documentário que vi na HBO. Cultura inútil total, mas bem dirigido, com depoimentos interessantes. E é dedicado a meu ídolo Hunter S. Thompson, o criador do gonzo journalism, que mescla o objetivo com o subjetivo,vai além da simples notícia, tem toques literários, é sarcástico, irreverente, por vezes narra as histórias em primeira pessoa; entre estilo e precisão, prefere o primeiro. No depoimento que ele presta no doc, mostra-se preocupado com os rumos que a política e a sociedade americana estão tomando. A multa para quem disser fuck na tv aumentou em 10 vezes. Alguns congressistas lutam para estender a proibição para a tv paga. O radialista Howard Stern, conhecido por sua total falta de vergonha e posturas liberais, foi obrigado a transmitir seu programa via satélite para acabar com a perseguição constante que sofria, inviabilizando seu trabalho. Felizmente, a censura ainda não chegou ao espaço.

O pior de tudo não é a força e a intensidade da onda conservadora que tornou os americanos ainda mais intolerantes, arrogantes, moralistas e bitolados. O problema é a politização dos parâmetros que regulam o uso da palavra. Por exemplo: "fuck Iraq" ou "fuck the muslims" têm mais chances de passarem batido que "fuck the president" ou "fuck the american way of life", ou ainda "fuck the Cadillacs". Menos de um ano depois que Bono falou seu fuck, exibiram na tv aberta "O Resgate do Soldado Ryan". Há 21 fucks no filme. A FCC (Federal Communications Commission) a agência estatal que dita o que pode e o que não pode passar na tv, não considerou sequer um fuck ofensivo, o filme passou sem cortes.

Antes de adotar uma postura repressora em questões que envolvam liberdades individuais, não podemos nos esquecer que o que já foi tabu no passado, como a mulher desquitada buscar um novo amor ou a igualdade de raças são fatos inquestionáveis hoje em dia. Quem lutou por esses direitos hoje luta por mais liberdade nos meios de comunicação de massa. Como disse Voltaire:

"Posso não concordar com uma só palavra que você disse, mas lutarei até a morte pelo seu direito de expressá-la.
" Ou algo parecido.

A questão do tal "livre-arbítrio" é espinhosa. O leitor(a) pode me botar contra a a parede: seria "liberal" permitir que pessoas alcoolizadas conduzam veículos ou apenas estupidez?

O fato é que por trás da polêmica do fuck, a pergunta fundamental é: a Humanidade já é madura o suficiente pra que se permita que cada um exerça de forma incondicional seu livre-arbítrio? Infelizmente, é óbvio que não. Ainda somos a mesma criança amedrontada de milhares de anos atrás. Uma criança que teme, acima de tudo, a si mesma, e que por isso ainda se apega às leis mais primitivas, como o vergonhoso "olho por olho" de Hammurabi. Parece que somos o pai de nós mesmos repetindo: tire os cotovelos da mesa, mastigue de boca fechada e não fale palavrão. Tememos um castigo. Qual seria ele?

terça-feira, 17 de junho de 2008

Figuras a esmo





The Cat Inside

Tigrinha

50 dias sem nem olhar o blog. E, de repente, me deu vontade de escrever um post. Botem a culpa nos gatos. E em William Burroughs. Chique no úrtimo, hein? Já devo ter falado desse cara antes, mas ele merece ser relembrado.

Burroughs é um ícone da geração beat. Tudo bem, mas o que é beat? Boa pergunta. O termo foi tão manipulado ao longo das transformações sociais ocorridas nas últimas décadas que ficou difícil defini-lo. Vou tentar pelo início. No final dos anos 40, Jack Kerouac e Neal Cassady botaram o pé na estrada e cruzaram os EUA de carona embalados por jazz e bebedeiras. Daí saiu um manuscrito redigido numa folha de bobina ou algo parecido, com 36 ms de comprimento. On the Road, um romance de formação marginal - no sentido de estar à margem - um exercício de liberdade e desapego, a semente da contracultura. Ser beat significava, na concepção de Kerouac, buscar crescimento espiritual através da assimilação de culturas e religiões diferentes. Guiar-se, acima de tudo, por sua consciência e expandi-la ao máximo, inclusive através de drogas, abraçar valores como espontaneidade e inconformismo; desprezar a indústria cultural e o materialismo. Ter uma visão de mundo libertária, tolerante, livre de preconceitos. A expressão foi tirada de uma gíria do submundo que significa "surrado", "detonado", em suma: de mal a pior. Mas para Kerouac definia uma postura de estar por baixo, no fundo, mas com a visão voltada para o alto, o topo. Daí sua semelhança com o termo "beatífico".

Cá entre nós, tudo muito virtuoso, mas vovó já dizia que esse tipo de coisa costuma dar em merda.

Mas para a opinião pública, beat eram jovens boêmios hedonistas, despudorados e rebeldes. Logo surgiu o termo "beatnik", uma forma pejorativa de se referir à turma de Kerouac, Allen Ginsberg, Cassady e Burroughs. E, como era de se esperar, a mídia e o sistema capitalista se apropriaram da palavra e a distorceram da forma que pudessem lucrar mais com ela. Mesmo assim, teve grande influência sobre movimentos posteriores, como os hippies e os punks.

De vanguarda a estereótipo

Entre os precursores do movimento, Burroughs foi um dos que mergulhou mais fundo em sua própria filosofia. Sua bissexualidade e tendência à drogadição manifestaram-se desde a adolescência. Graduou-se em Harvard, passou uma temporada na Europa e quando regressou o ataque a Pearl Harbor tinha acabado de acontecer. Quis alistar-se, mas seu passado de instabilidade mental relegou-o à posição de recruta, o que o deixou muito deprimido. Serviu o exército por alguns meses, nunca deixou seu quartel. Em 1944 mudou-se para um apartamento com Kerouac, sua esposa e Joan Vollmer, com quem veio a se casar. Nessa época começou a usar morfina e logo se viciou, tornando-se traficante para manter o vício. Sua esposa também passou a usar drogas, problemas com a lei eventualmente surgiram. Tiveram que fugir para o México. Em 1951 matou Joan com um tiro na cabeça enquanto brincavam de "Guilherme Tell": ele tinha que atirar numa maçã na cabeça da esposa com uma arma de fogo, completamente bêbado.

Burroughs e Kerouac

Segundo Burroughs, esse evento marcou seu nascimento como escritor. A morte de Joan apresentou-o ao invasor, o Espírito Horrendo, que só podia ser confrontado através da liberação do fluxo de consciência através da escrita. Entendeu? Nem eu. Mas Burroughs não é pra ser entendido. E suas peripécias estavam apenas começando.

E o que os gatos têm a ver com isso tudo? Na próxima. Mas não pude evitar a publicação de uma foto da Tigrinha, filha da segunda prole de Branquinha - em breve apresentarei todo o clã felino.