Os irmãos Coen voltaram à moda com mais um filme rude, violento e esquisito.
Onde os fracos não têm vez é forte candidato a um punhado de oscars, mas nem o fato de eu estar com o dvd pirata do filme foi motivo suficiente para eu me atrever a assisti-lo. Muita gente diz que não está nem aí pros oscars, e eu estaria mentindo se dissesse que sou uma delas. Então porque não vejo o maldito filme, já que adoro os caras, como se pode ver na lista ao lado? Resposta: pelo que ando ouvindo, parece ser "Coen demais", no mau sentido. Ou seja: peca pelo excesso de cenas chocantes, por aquele distanciamento que imprimem a suas obras mais "sérias", tornando-as pouco humanas e a identificação com qualquer personagem improvável. Como em
Gosto de Sangue (Blood Simple) ou
O Homem que não estava lá (The Man who wasn´t there). Por alguma razão, apesar de ter as mesmas características, não acho
Fargo "Coen demais
". Talvez por causa do Steve Buscemi ou pelo sotaque hilário dos personagens. Sei lá. O negócio é que se alguém fala mal desse filme sinto como um parente próximo foi insultado e dá vontade de voar no pescoço do cara. Mas não é disso que queria falar.
Entendem o que estou dizendo? Cena do filme mencinado acima Sinto falta das boas comédias deles, como
O Grande Lebowski e, sobretudo,
Na Roda da Fortuna (
The Hudsucker Proxy). Este último, não por acaso, deve ser o filme mais "humano" dos Coen, no sentido de ser o que mais se assemelha a coisas que gostamos de aninhar e proteger, como filhotes de gatos e cães. Pois trata-se de uma homenagem declarada aos filmes de Frank Capra, um sujeito que realmente acreditava que (quase) todo ser humano era essencialmente bom, justo e honesto e aquele que não fosse era regiamente repreendido até o fim do filme. Mas ainda não chegamos ao que quero abordar.
"Hoopla with the hula hoop" Na Roda da Fortuna centra-se na epopéia de um ingênuo e bem-intencionado caipira (Tim Robbins) na cidade grande. Como parte de um complô imundo arquitetado pelo personagem de Paul Newman, ele é alçado ao posto de Presidente de uma poderosa corporação, justamente pelo fato de ser um "inocente útil", um cara cuja ingenuidade beira à burrice, e que desse modo, fatalmente levaria a corporação à bancarrota. Aí, com as ações a preço de banana, a companhia seria adquirida pelo maldoso Newman e Robbins sairia da jogada. Mas o que levou o lobo mau a escolher especificamente aquele cordeirinho? Numa sequência impagável, Robbins procura Newman para lhe falar de sua idéia revolucionária, e mostra a ele um papel com um círculo desenhado, e só. Aquilo era o rascunho de um bambolê, ou hula hoop em inglês. Enfim chegamos onde eu queria: bambolês e outras coisas redondas, simples, divertidas, "coquêluchicas", que fazem as crianças pular de excitação e os mais velhos suspirarem, nostálgicos.
Eu amo esse filme Deu vontade de ver o filme? É, meu caro, não queria botar água na sua fervura, mas a não ser que dê a sorte de deparar-se com ele na tv paga, vais ficar na vontade, porque eu já o procurei e ele inexiste em dvd no Brasil, e as cópias em VHS são escassas. Que peninha. De qualquer modo, a película despertou minha curiosidade quanto às verdadeiras origens do bambolê. E, mais uma vez, a infalível revista
Piauí, meu manancial de artigos tão bem redigidos quanto inusitados, me propiciou um post e respondeu a mais uma antiga indagação minha.
Parabéns pro bambolê. Nesse ano ele completa 50 anos. Em 1958, um tal Richard Knerr (pronuncia-se "nur") viu uns garotos australianos fazendo exercícios aeróbicos com aros de madeira. Um ótimo exercício, como reiterou um professor de Educação Física. Humildemente, passo a copiar a revista, eles contam a história melhor que eu:
Foi uma epifania. Knerr e seu sócio e amigo de infância Arthur Melin (a quem só falta uma consoante para ficar com nome de mago) levaram a idéia para os E.U.A., trocaram a madeira pelo plástico colorido, inventaram um nome prá lá de bom e começaram a demonstrar eles mesmos a novidade nos playgrounds da Califórnia. Criava-se ali a mãe de todas as manias. Antes do Cubo Mágico, do Pogobol, do Pacman e do Pokemon, o mundo rendeu-se aos pés - ou melhor, aos quadris - do Hula Hoop, aqui batizado de Bambolê.
E por aí vai. Em seguida somos informados que apenas dois anos depois o bambolê batia a casa dos 100 milhões de exemplares vendidos, a impensáveis US$1,98.
O bambolê era uma piada do Juquinha no meio do chá de senhoras, uma bola de chiclete que estourava -ploc! - no jantar de gala. Quem sabe não foi uma das primeiras manifestações inconscientes do movimento hippie que estava por vir na década seguinte, assim como o Chuck Berry cantando
Johnny B. Goode?
Mais um produto das Indústrias Wham-O Knerr e Melin tinham uma empresa de fundo de garagem cujo nome derivava de seu primeiro produto: um estilingue, o zumbido do elástico esticando-se - whammmmmm - e o ruído do projétil acertando o alvo - o! - e estavam criadas as indústrias Wham-O. Cara, se eu fosse o Papa eu batalhava pra canonizar esses dois senhores. O mundo precisa, mais do que nunca, de gente como eles. Pois foram também eles os responsáveis pela popularização do frisbee, em 1955. Cinco anos depois um engenheiro químico levou a eles uma descoberta acidental, um plástico que não parava quieto. Criou-se então uma bolinha endiabrada, assassina serial de louças, taças de cristal, vidraças e o que mais viesse em sua trajetória. A revista não fala, mas creio que por aqui apelidamos a bolinha de "perereca".
Mas, como o Homem, esse animal tão estranho, sempre acaba com a brincadeira e a alegria inerente a ela, a Wham-O acabou vendida para a Mattel, dos bonecos Barbie e Ken, e pouco a pouco foi tragada e descaracterizada pela megacorporação fria e desumana.
Detalhe de uma das capas da Piauí; numa outra Che Guevara usa camiseta com estampa do Bart Simpson! Quer saber mais? Compre a edição da revista de fevereiro. Ainda estou apreciando-a, bem devagarzinho, porque sei que um dia o Homem vai me privar da
Piauí, e, embora isso possa soar ridículo, provavelmente nesse dia vou verter uma lágrima em honra a esse compêndio mensal da genialidade humana, que parece ter sido feita especialmente como uma encomenda para mim - ó, megalomania - , para que minha crença num mundo divertido, curioso, fascinante, plural, nunca pereça.