Aaaah, como é bom nos darmos ao luxo de ignorar os temas "atuais", como Dilma Rousseff, Tiririca, queimadas em todo o país ou a explosão do "sertanejo universitário" - não há nada de novo que mereça ser debatido sobre essas pessoas ou eventos, eles sempre vão periodicamente nos perturbar, talvez mudem de nome, mas é sempre a mesma coisa da história se repetir como uma farsa. Chega de redundâncias. Em vez disso, que tal dar um mergulho em nossas memórias afetivas, recordar detalhes de filmes que de fato têm algo a nos dizer?
Fargo (1996) revelou ao mundo os irmãos cineastas Joel e Ethan Coen, figuras carimbadas no blog. Ganhou os oscars de atriz para Frances McDormand e roteiro; onze anos depois eles coroariam o processo de conquista do cinema comercial com Onde os Fracos Não Têm Vez, que ganhou o de melhor filme, entre outros. Fargo, uma falsa história real, (brincadeira de mau gosto típica dos Coen) trama inclassificável, misturando drama, comédia e policial e um olhar impiedoso sobre a miserável condição humana, talvez seja seu filme mais emblemático. Ambientado nos confins gelados da América profunda, narra a tragédia pessoal de um vendedor de carros (William H. Macy, excelente) que contrata dois criminosos para sequestrarem sua própria esposa para depois receber o resgate do sogro. É lógico que dá tudo errado, o plano resulta na matança sem sentido de várias pessoas. Uma policial grávida (McDormand) começa a investigar os assassinatos e no meio de suas incursões encontra-se em um restaurante com um antigo colega de escola. É nesse ponto que eu queria chegar.
O encontro parece estar desconectado do restante do roteiro, o personagem Mike Yanagita não tem relação alguma com a história, fora o fato de ter estudado com a policial. Mas é claro que a cena não está ali gratuitamente. Mike conta que casara-se com uma amiga em comum e que depois ela teria desenvolvido leucemia, morrendo pouco depois. Ele se mostra deprimido e carente e chora ao relatar a história. Em seguida a policial dá uma desculpa e vai embora rapidinho, Mike também é chato e inconveniente. Posteriormente, descobrimos que na verdade ele nunca se casou, teve sérios problemas emocionais e virou um desses caras que persegue mulheres obsessivamente, um stalker. Apesar de seu comportamento doentio, acabamos nos apiedando dele. Na internet há algumas explicações para a existência da cena. Uns dizem que ela causa um insight na policial, a única personagem do filme que parece ter princípios morais, que ao descobrir que Mike mentira elabora a hipótese que talvez uma das pessoas que investiga também estaria contando uma elaborada lorota. Faz sentido. Mas também há umas explicações mais filosóficas. Assista o trecho em http://www.youtube.com/watch?v=r_Ge4F4E9JE. Se você viu o filme, acha a cena supérflua ou gostou de sua impertinência? Se não viu, está vacilando.
Acredite naqueles que buscam a verdade. Duvide dos que já a encontraram. André Gide
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
domingo, 15 de agosto de 2010
Livrem-se dos livros
Nothing from nothing means nothing/ You gotta do something... etc. Musiquinha obscura dos anos 70, muito apropriada para descrever o nível de atividade do meu blog nos últimos meses. Ele agoniza, mas não estica as canelas. Não faço ideia do que provocou esse retorno, mas permaneço fiel à temática: impertinente e inútil.
Deu na folha de hoje: aqueles que trombeteavam que a "literatura" está morta há anos (Dan Brown e Paulo Coelho supostamente não se encaixam nessa definição) e que o livro, no formato que conhecemos, fatalmente seguiria o mesmo caminho, vão ter que engolir seus vaticínios. Como diria nosso garboso presidente, nunca antes na história do Brasil - ou do planeta - publicaram-se tantos títulos (um milhão por ano) e os best-sellers nunca venderam tanto. Agora, se as pessoas preferem ler Augusto Cury a Herman Melville são outros 500.000 exemplares.
Por outro lado, aquelas edições bacanas de capa dura imitando couro com que nossos avós adornavam suas vetustas bibliotecas, hoje são raridades. A popularização veio de mãos dadas com a banalização, compramos mais livros em supermercados e bancas do que em livrarias... isso me faz lembrar de uma crônica do Daniel Piza, se não me engano. Ele relata que teve o carro arrombado, levaram o sistema de som, alguns cds e na dúvida entre um pé de meia sujo e dois ou três livros, o(s) gatuno(s) preferiram levar apenas a peça de seu vestuário. Em suma: não vamos nos empolgar com as vendas recordes de obras de auto-ajuda, o brasileiro tem uma semi-alergia a livros e não vai se curar tão cedo. Só pra dar uma ideia do abismo que nos separa de uma Inglaterra, por exemplo: lá perderam-se 36.000 livros apenas no sistema de transportes londrino. Aqui, a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, uma das maiores do país, acabou de reabrir com 42.000 exemplares. Mas a gente ainda chega lá: no metrô de Sampa já largaram quase 3.000 objetos entre material escolar, de escritório e livros. E houve um crescimento de 80% entre 2005 e 2009.
Você deve estar se perguntando: então quanto mais livros forem perdidos, mais instruída estará a população? Ou seria exatamente o oposto, como na crônica do Daniel Piza? O especialista americano entrevistado na matéria do jornal acha a pergunta boa, mas não dá uma resposta exata. Em vez disso apresenta uma versão otimista e outra pessimista. Na primeira, que ele prefere por ser americano, é que o aumento das perdas simplesmente reflete o fato de mais pessoas estarem circulando com mais livros. Na outra, a explosão no número de títulos publicados estaria banalizando a relação entre o leitor e o livro, que está se tornando um objeto descartável. Se você chegou a ler até aqui, isso significa que tem algum nível de intimidade com a leitura. Então tenho uma pergunta: quantos livros comprou nos últimos doze meses? Eu não passei de cinco. Só pra instigar nosso complexo de vira-lata: na Inglaterra o consumo anual é de 18 exemplares por pessoa...
Deu na folha de hoje: aqueles que trombeteavam que a "literatura" está morta há anos (Dan Brown e Paulo Coelho supostamente não se encaixam nessa definição) e que o livro, no formato que conhecemos, fatalmente seguiria o mesmo caminho, vão ter que engolir seus vaticínios. Como diria nosso garboso presidente, nunca antes na história do Brasil - ou do planeta - publicaram-se tantos títulos (um milhão por ano) e os best-sellers nunca venderam tanto. Agora, se as pessoas preferem ler Augusto Cury a Herman Melville são outros 500.000 exemplares.
Por outro lado, aquelas edições bacanas de capa dura imitando couro com que nossos avós adornavam suas vetustas bibliotecas, hoje são raridades. A popularização veio de mãos dadas com a banalização, compramos mais livros em supermercados e bancas do que em livrarias... isso me faz lembrar de uma crônica do Daniel Piza, se não me engano. Ele relata que teve o carro arrombado, levaram o sistema de som, alguns cds e na dúvida entre um pé de meia sujo e dois ou três livros, o(s) gatuno(s) preferiram levar apenas a peça de seu vestuário. Em suma: não vamos nos empolgar com as vendas recordes de obras de auto-ajuda, o brasileiro tem uma semi-alergia a livros e não vai se curar tão cedo. Só pra dar uma ideia do abismo que nos separa de uma Inglaterra, por exemplo: lá perderam-se 36.000 livros apenas no sistema de transportes londrino. Aqui, a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, uma das maiores do país, acabou de reabrir com 42.000 exemplares. Mas a gente ainda chega lá: no metrô de Sampa já largaram quase 3.000 objetos entre material escolar, de escritório e livros. E houve um crescimento de 80% entre 2005 e 2009.
Você deve estar se perguntando: então quanto mais livros forem perdidos, mais instruída estará a população? Ou seria exatamente o oposto, como na crônica do Daniel Piza? O especialista americano entrevistado na matéria do jornal acha a pergunta boa, mas não dá uma resposta exata. Em vez disso apresenta uma versão otimista e outra pessimista. Na primeira, que ele prefere por ser americano, é que o aumento das perdas simplesmente reflete o fato de mais pessoas estarem circulando com mais livros. Na outra, a explosão no número de títulos publicados estaria banalizando a relação entre o leitor e o livro, que está se tornando um objeto descartável. Se você chegou a ler até aqui, isso significa que tem algum nível de intimidade com a leitura. Então tenho uma pergunta: quantos livros comprou nos últimos doze meses? Eu não passei de cinco. Só pra instigar nosso complexo de vira-lata: na Inglaterra o consumo anual é de 18 exemplares por pessoa...
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